Fiz várias caminhadas com colegas de sala de
aula e uma delas foi bem peculiar, pois tivemos que usar alguns termos que aprendemos em Geografia, mas não para ajudar na caminhada e sim para nos livrar de uma
pequena enrascada.
Depois do retorno das aulas em 2000 o Sandro (colega de sala) me convidou para uma trip a uma cachoeira na Serra do Mar no feriado de Tiradentes.
A Cachoeira era a da Usina do Capivari e está localizada próxima da linha férrea da E.F. Sorocabana que desce para o litoral.
O feriado caiu em uma sexta-feira, dia 21 de Abril e era perfeito, porque dava para gente fazer em 2 ou 3 dias sem correrias.
O grande problema eram os guardas ferroviários que ficavam durante o dia na Estação Evangelista de Souza revistando mochilas e barrando alguns.
Eu nem me preocupava já que não levava nada de ilegal e achava que eles só apreendiam drogas. Ledo engano.
Foto acima, na base da Cachoeira da Usina do
Capivari
Estávamos em 5 (eu, Sandro, Moto e mais 2
colegas que eram também da Geografia/USP) e marcamos para sair na Quinta-feira
a noite e passar pela estação Evangelista de Souza no início da madrugada.
Alguns iriam se encontrar no Terminal Santo
Amaro, onde o ônibus saia para o Bairro da Barragem (atualmente essa linha de
ônibus sai do Terminal Parelheiros) e outros iriam pegar o ônibus já em
Interlagos.
Nossa intenção era pegar um dos últimos ônibus
em direção ao Bairro e assim foi.
Pouco depois das 00:00 hrs já estávamos saindo
do Terminal Santo Amaro e ao longo do trajeto o ônibus se enchia cada vez mais. Engraçado que muitos passageiros também estavam de mochilas cargueiras e com certeza iriam fazer o mesmo percurso que a gente e conversando com alguns, fico sabendo que um ou outro iria fazer a travessia até Itanhaém pela trilha do Rio Branquinho, muito frequentada na época.
O Bairro da Barragem é quase zona rural e bem longe do centro de SP.
O ponto final do ônibus é em uma rua totalmente escura e desembarcamos por volta da 1:00hr da madrugada.
Pegamos as lanternas e agora era mochila nas costas e pé na estrada, seguindo pela avenida em direção da linha férrea.
Pegamos as lanternas e agora era mochila nas costas e pé na estrada, seguindo pela avenida em direção da linha férrea.
Caminhamos por cerca de quase 1 Km até virar em
uma pequena rua à direita e interceptar uma estrada de terra que a muitos anos atrás era
uma linha férrea que saia de Interlagos e chegava até a Estação Evangelista de
Souza, mas hoje seus trilhos e dormentes estão todos enterrados ou até já foram
retirados (não dá para saber).
Por volta das 02:00 hrs terminamos a caminhada
pela estrada e agora seguíamos por trilha ao lado dos dormentes da linha férrea
que vem de Embu-Guaçú e desce a Serra do Mar.
Conforme íamos nos aproximando da Estação, mais
e mais vagões surgiam pela linha férrea aguardando liberação para descer a
serra e percebemos que alguns mochileiros, que caminhavam com a gente, procuravam
uma maneira de conseguir carona, claro que na surdina.
Ponte de linha férrea |
Até a Estação Evangelista de Souza a caminhada
foi sempre no plano, mas a partir daqui a declividade começava a aumentar e
tínhamos de encontrar um local para montarmos nossas barracas, mas ao lado dos
trilhos não dava.
Tínhamos a informação que embaixo da 2ª ponte
existiam alguns descampados e por volta das 03:00 hrs chegamos no lugar.
Entrada da trilha para a Cachoeira |
Não dormimos muito, pois lá por volta das 08:00
hrs já estávamos desmontando as barracas e depois de alguns clics e um rápido
café da manhã, voltamos para a linha férrea para caminhar pelos dormentes, mas
não por muito tempo.
Uns 20 minutos depois e já estávamos chegando
próximo do 1º túnel, o de número 27.
Cerca de 100 mts antes de chegar nele, encontramos uma trilha à direita, marcada por uma grande cerca de arame e madeira bloqueando a entrada, mas bem ao lado existia uma abertura no meio da cerca.
Ponte sobre o Rio Capivari |
Vamos seguindo na direção noroeste para depois
contornar um morro que esta à esquerda e cerca de 15 minutos depois da linha
férrea chegamos na ponte.
Toda de madeira, ela estava em péssimo estado de
conservação e
apodrecendo em alguns pontos, mas tomando o
devido cuidado atravessamos sem grandes problemas. Ela tem uns 15 metros de altura e uns 50 mts de
extensão, mas atualmente está bem diferente da foto acima.
funcionários da antiga usina.
Montamos as barracas e seguimos para as margens
do rio para dar uma explorada.
A correnteza é bem forte e uma caminhada pelas
pedras pode ser uma opção bem perigosa.
Depois de vários clics no topo da cachoeira, resolvemos seguir até a base dela, que não é um percurso fácil.
Depois de vários clics no topo da cachoeira, resolvemos seguir até a base dela, que não é um percurso fácil.
Para se chegar lá tivemos que seguir próximo ao
antigo duto de água que está a direita da cachoeira para sair na antiga Casa de Máquinas.
Depois de alguns clics fomos descendo
pela encosta íngreme junto a um pequeno riacho.
O lugar é escorregadio e íamos segurando nas
pedras e na vegetação até chegar próximo da base da cachoeira que tem
aproximadamente 70 mts de altura, mas pelo grande volume de água, o local é
bastante perigoso e tivemos que desistir em chegar lá.
Por isso resolvemos continuar a descida pelo
leito do rio seguindo pelas pedras, mas como são bem escorregadias, desistimos
também e depois retornamos ao topo.
Próximo da ponte sobre o Rio existe um enorme
poço, onde mergulhamos, mas como a água estava bastante fria, não ficamos muito
tempo.
Base da Cachoeira escorregadia |
De volta às barracas, ficamos o restante da
tarde conversando próximo do topo da cachoeira que tinha uma bela visão do
litoral.
Naquela tarde mais pessoas chegaram, já avisando
que tinham sido revistados pelos guardas na estação e apreenderam algumas
coisas deles.
E segundo um dos mochileiros, os guardas não
estavam perdoando nada.
Se encontrassem uma faca, facão, canivete ou
algo similar, eles apreendiam.
Estavam metendo o terror, por isso eu, o Sandro
e o Moto resolvemos voltar para SP no dia seguinte, em parte porque já tínhamos
aproveitado bem a cachoeira e não queríamos ficar mais 1 dia só acampando.
Litoral ao fundo |
Conforme íamos caminhando pelos dormentes encontramos mais pessoas confirmando o que já sabíamos: os guardas estavam revistando todo mundo que passasse pela estação e apreendendo muita coisa.
E nós tínhamos canivetes e algumas pequenas
facas, que com certeza seriam apreendidos.
Drogas eles não iam apreender porque não iam
achar de jeito nenhum na minha mochila.
O problema maior era que eu não sabia o que o
Sandro e o Moto carregavam em suas mochilas - nem perguntei para não me
assustar.
E só ficamos pensando como poderíamos evitar
toda essa revista nas mochilas e tivemos uma ideia que poderia ou não dar
certo.
Como nós 3 éramos alunos de Geografia e todos
estavam com as carteirinhas da USP era só dizer que estávamos ali para fazer
uma pesquisa de campo de: “movimentação de massa e controle de estabilidade de
taludes”.
São termos muito usados em geografia, mas
traduzindo para uma linguagem mais simples significa deslizamento de terra.
E isso era muito comum de se encontrar ao longo da linha férrea.
E isso era muito comum de se encontrar ao longo da linha férrea.
E como já esperávamos, ao chegar na estação dois
guardas nos abordaram perguntando se tínhamos facas, canivetes, armas de fogos
e drogas na mochila.
Dissemos que estávamos fazendo um trabalho da
Faculdade e para provar, mostramos as nossas carteirinhas e as máquinas
fotográficas para registrar os deslizamentos, mas procuramos não alongar muito
na explicação e com isso não revistaram as mochilas.
Perguntamos os motivos de estarem fazendo isso e
nos disseram que era para encontrar armas, drogas, facões e similares e
dependendo da gravidade levar para a delegacia.
Eu desconfiava de um outro motivo: $$$$$.
Chegaram a nos mostrar uma sala repleta de
apreensões daquele feriado prolongado e vimos muitos canivetes, facões, facas,
machadinhas. Tinha de tudo.
Depois de parar por um certo tempo na Estação,
as 10h30min voltamos à caminhada em direção ao ponto final da linha de ônibus
Barragem, chegando pouco depois das 12:00 hrs e de lá seguindo para o Terminal
Santo Amaro, onde nos separamos.
Alguns dias depois nos reunimos na Faculdade e
demos muita risada da situação.
O pessoal que tinha ficado lá na Cachoeira
retornou no início daquela noite e com isso evitaram os guardas ferroviários,
mas a situação ficou como lição.
Evite levar algo ilegal para a trilha.
Algumas informações e dicas (Atualizado Julho/2020)
# Em 2011 voltei a essa região para fazer a Trilha do Rio Branquinho que termina em Itanhaém e o seu percurso é o mesmo até o acesso à Cachoeira.
Ao chegar no túnel 27, siga em frente pela linha férrea. Mais detalhes nesse relato:
http://trilhasetrips.blogspot.com.br/2013/05/relato-travessia-do-rio-branquinho-de.html
Ao chegar no túnel 27, siga em frente pela linha férrea. Mais detalhes nesse relato:
http://trilhasetrips.blogspot.com.br/2013/05/relato-travessia-do-rio-branquinho-de.html
# Como essa caminhada é do início de 2000, muita
coisa mudou desde então - o ônibus que faz a linha até o Bairro da
Barragem não sai mais do Terminal de Santo Amaro. Ela sai do Terminal
Parelheiros e a linha é a 6L05 - Term. Parelheiros - Barragem.
# Atualmente a ponte sobre o Rio Capivari está
em estado deplorável e impossível atravessá-la. Está tudo podre e é risco de vida tentar cruzar a ponte por cima.
Todos que vão até essa cachoeira têm de passar pelo
leito do rio, mas não é uma travessia fácil, já que a correnteza é forte. Em épocas de chuvas a coisa piora ainda mais, já que que o rio se eleva e a correnteza aumenta..
Até em dias normais é bem difícil atravessar o
rio, por isso quem não sabe nadar é melhor nem ir.
# O local onde montamos nossas barracas
atualmente está com o mato tomando conta. Quem foi para lá recentemente teve
dificuldades para encontrar um lugar para acampar.
# Os guardas ferroviários não ficam mais na
Estação Evangelista de Souza
Próximo dali as vezes fica uma viatura da Policia
Ambiental com alguns PMs, barrando quem quer descer pela linha do trem.
# Pelo que eu sei, eles só autorizam quem vai ao
Camping/Cachoeira do Jamil, que tem acesso pouco depois da estação.
É a única sugestão que eu dou para quem quiser
conhecer a região: vá no Jamil.
https://pt-br.facebook.com/acachoeiradojamil/
https://pt-br.facebook.com/acachoeiradojamil/
# A PM fica sempre de prontidão por ali porque
já aconteceram alguns acidentes fatais na Cachoeira e muita gente se perdeu na
Trilha do Rio Branquinho, que segue na mesma direção.
# Regularmente a mídia divulga casos de pessoas
perdidas nessa região, por isso só para lá se tiver experiencia em trilhas.
# Muito cuidado na caminhada pela linha férrea
porque passam trens com + - 50 vagões de carga quase que de hora em hora e o
recuo de segurança em alguns trechos é bem estreito.
# Boa parte dessa região está dentro de uma
Reserva Indígena, por isso é comum encontrar com alguns índios pela linha
férrea.
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