Era a 5ª vez que caminhava nessa região e alguns trechos dessa trilha já eram bem familiares.
Nas outras 4x eu estava em busca da Trilha do Corisco (trilha histórica que liga Paraty até Picinguaba, em Ubatuba) e numa dessas incursões encontrei trechos da Trilha do Telégrafo, que liga Paraty até o Bairro de Ubatumirim. E isso ficou na minha cabeça como uma trilha a ser finalizada, mas o tempo foi passando e deixei de lado. Até que pouco mais de 1 ano atrás, troquei várias mensagens com a Emanuele (montanhista do Rio de Janeiro), dizendo que pretendia fazer essa trilha, mas devido ao meu trabalho não pude acompanhá-la.
Com a ajuda de um morador local, o grupo teve sucesso na empreitada e com isso ela disponibilizou o arquivo de GPS dessa trilha no site wikiloc. Agora estava fácil e só me faltava encontrar alguma data com clima favorável e alguns dias de folga no trabalho para fazer essa trilha, mas na Natureza as coisas não são tão fáceis assim. Não é à toa que a última cidade do litoral norte de SP recebe o apelido de Ubachuva.
O relato abaixo é sobre os problemas que tive nessa trilha e as consequências da minha teimosia que quase me levou para um hospital.
Foto acima, no marco de concreto da divisa RJ/SP
Vídeo com depoimentos ao longo da caminhada: clique aqui
Fotos dessa caminhada: clique aqui
Naquele mês de Novembro peguei 15 dias de férias e fiquei quase 1 semana no sul da Bahia, só curtindo algumas praias de Arraial D´Ajuda e Trancoso. E quando retornei, ainda restavam 5 dias antes de voltar a trabalhar, então dava para fazer uma bela caminhada de vários dias. O problema de planejar uma caminhada é sempre o clima. Fazer trilha com chuvas pode se tornar um perrengue daqueles e uma perda de tempo. Na minha lista tinham várias opções para os últimos dias das férias e todas relativamente próximas de São Paulo, mas a previsão de chuvas me fez desistir de algumas delas. E depois de consultar vários sites de previsão do tempo, escolhi a Trilha do Telégrafo, ligando Paraty até Ubatuba pela Serra do Mar. A logística é tranquila e achei melhor ir de ônibus.
No meio da semana, embarquei durante a noite no Terminal Tietê em direção à Paraty, chegando ainda de madrugada na cidade e na mesma Rodoviária peguei o primeiro circular para o Bairro do Coriscão, por volta das 05h30min da manhã.
Ponto final da linha Coriscão |
O trajeto foi rápido e pouco depois das 06:00hrs já desembarcava no ponto final da linha.
Nos sites de clima que eu tinha pesquisado, diziam que exatamente naquele dia a chuva iria acabar, já que estava chovendo a vários dias naquela região. Eu confiei, mas quando desci do ônibus caia uma leve garoa, que não era um bom sinal. Uma espessa neblina também cobria a região e segui como planejado. Coloquei a minha capa e iniciei a caminhada em direção ao alto da serra seguindo pela estrada, que de agora em diante era de terra.
Estrada de terra serra acima |
Passando por algumas residências e pequenas chácaras, a caminhada é sempre seguindo a estrada de terra serra acima, tendo o Rio Corisco do lado direito como referencia. Em alguns trechos é possível vê-lo da estrada e não é uma visão que me agrada. O rio estava com volume muito grande devido às chuvas na região.
Rio Corisco visto da estrada |
Seguindo o tracklog da Emanuele não tem erro, mas conforme as horas avançavam o clima não muda e a garoa era persistente. Afluentes do Corisco cruzam a estrada e fica até difícil não molhar as botas.
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Cruzando afluentes do Rio Corisco |
Com cerca de 45 minutos de caminhada, passo ao lado da entrada do Sitio São Francisco com 2 portais de concreto e nesse local, nas caminhadas anteriores, eu saí da estrada e segui por uma trilha à esquerda que leva também ao alto da serra - nessa foto e nessa outra dá para ver o início da trilha.
Entrada do Sitio São Francisco |
Porém o tracklog da Emanuele continua seguindo pela estrada de terra e assim continuo a caminhada. Mais alguns minutos e passo pela ponte sobre o Rio Corisco e dá para ver que ele tá bem cheio.
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Rio Corisco |
Alguns metros à frente e pouco depois das 07:00hrs, passo ao lado da última casa na estrada tomada pela neblina e aqui existe uma bifurcação; seguindo em frente é a continuação do tracklog e para esquerda é como se fosse um atalho, pois alguns minutos à frente essas duas trilhas voltam a se encontrar.
Última casa |
Alguns metros depois da última casa, a estrada se torna trilha e a partir daqui estou entrando na área do Parque Nacional da Serra da Bocaina, marcado por uma placa de metal junto da trilha.
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Área do PN da Serra da Bocaina |
É um trecho da caminhada que entro definitivamente na mata fechada, surgindo algumas bifurcações e numa delas sigo pelo caminho errado. Só fui notar o erro alguns minutos depois e tive que retornar todo o percurso. Vou cruzando pequenos riachos e muita área de brejo e logo chego numa antiga residência, que está totalmente demolida. Uma pena.
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Residencia demolida |
O lugar é plano e não ficou uma parede sequer em pé. Fico imaginando que poderia ter sido o pessoal do PN, mas será?
São pouco mais de 08h30min e depois de uma breve descansada, retomo a caminhada seguindo o tracklog. A trilha se fecha mais ainda e inúmeras bananeiras vão surgindo ao longo da subida. Nesses trechos tive uns perdidos, onde não encontrava a continuação da trilha de jeito nenhum.
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Trilha pela mata fechada |
Para piorar, os satélites demoravam um pouco para mostrar exatamente a posição onde eu estava naquela mata fechada. Nesse momento já estava ensopado dos pés à cabeça e não tinha nada seco no corpo.
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Trilha |
Depois de algumas paradas e já bem estressado finalizo esse trecho complicado da caminhada interceptando uma outra trilha bem mais demarcada, que vem da direita e segue descendo para esquerda. Essa é a trilha que se inicia lá em frente ao portal do Sitio São Francisco e termina em uma pequena chácara serra acima.
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Lago junto de bananeiras |
Próximo dessa bifurcação encontro um pequeno lago com algumas bananeiras, sendo um ponto de referencia. Descendo agora à esquerda pela trilha mais demarcada, como se estivesse retornando, saio em uma bifurcação à direita alguns metros abaixo, onde o tracklog me conduz até a margem do Rio Corisco.
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Cruzando Rio Corisco |
O volume dágua é grande e procuro o melhor local para cruzar o rio, onde a correnteza não me levasse. Com água até um pouco abaixo da cintura, cruzo o rio sem grandes dificuldades e na outra margem passo ao lado de um rancho abandonado.
Se até aquele momento a trilha não era tão demarcada, a partir daqui a coisa piora e os vestígios dela são mínimos. De vez em quando surgem alguns trechos abertos, mas a maior parte é de vegetação alta, tendo de abrir a trilha na raça em vários momentos. Só com tracklog nesse trecho e vou consultando ele a todo momento para ver se estava no caminho certo. Caminhar por aqui sem um GPS é se perder na certa. Surgem grandes plantações de bananas e vou cruzando inúmeros riachos, sempre subindo. Em vários momentos tomei uns tombos pela declividade da trilha e pelo solo todo encharcado. A garoa persistia e a neblina também cobria toda aquela região de mata fechada. Pouco depois das 10:00hrs a trilha nivela e vou contornando um pequeno morro pela esquerda. Esse trecho no plano até se parece com vestígios de uma antiga estrada, devido a uma encosta que me pareceu ter sido construída pelo homem. Nesse momento percebo que algo está errado com meu celular. Em todo o trecho da caminhada vou me orientando pelo tracklog da Emanuele e não desliguei ele um momento sequer, mas lembro muito bem que ao cruzar o Rio Corisco a bateria estava em torno de 65%. Quando fui olhar agora a bateria tinha reduzido para apenas 9%. Sem perder tempo peguei meu power bank e tento transferir a energia dele para o celular, mas não consigo. O cabo ou o encaixe no telefone está com problemas; na verdade um problemão. O tracklog me informa que o marco de concreto da divisa de Estados está próximo e ainda consigo chegar nele com bateria a 4%, mas só foi andar mais alguns metros e o celular desliga. Fud....
Junto do marco da divisa SP/RJ |
Como diria Carlos Drummond de Andrade: E agora, José? Tiro algumas fotos do marco de concreto e resolvo continuar a caminhada por trilha demarcada, que daqui em diante segue em declive. Até aquele ponto da caminhada tive que me orientar pelo track e daqui em diante teria que ter muito faro de trilha para chegar em Ubatumirim. Porém sem o tracklog, que certeza eu teria se estava na trilha correta ou não?
Depois de pensar bem o que fazer, resolvi seguir aquele trecho de declive, pensando que mais a frente a trilha se tornaria mais demarcada, mas não foi o que aconteceu. Ao chegar em um antigo acampamento (pareceu ser de caçador ou palmiteiro), a trilha cruza um pequeno riacho e se perde na mata fechada.
Antigo acampamento abandonado |
Tento fazer um circulo para ver se encontro a trilha um pouco mais à frente, mas cada vez que vou me embreando na mata, ela se fecha mais ainda. Impossível seguir. Arriscado demais.
Retorno até o antigo acampamento para descansar um pouco e refletir sobre o que faria dali em diante. Chego a conclusão que não vale o risco, pois sem tracklog ali, o perigo de perder é grande e tudo por causa de um mero cabo de carregador de celular.
Volto até o marco de concreto para gravar um vídeo sobre o que aconteceu e pouco depois do meio dia retorno pela mesma trilha que eu vim.
Sem ajuda do track e com poucos trechos de trilha demarcada, é preciso tomar muito cuidado para não me perder, mas vou lembrando de alguns trechos e não tive grandes problemas até chegar na margem do Rio Corisco pouco antes das 14:00hrs.
Chegando na margem do Rio Corisco |
Só o local que não era o mesmo onde tinha cruzado e provavelmente me desviei da trilha principal por alguma outra paralela, tendo que cruzar o Rio um pouco mais acima.
Casebre junto da margem |
O local era junto de um casebre com paredes de lona branca e era até um pouco mais perigoso, pois a correnteza era maior.
Cruzando o Rio novamente |
Cruzado o Rio, fui varando mato por alguns minutos até interceptar a trilha mais demarcada e dali em diante era só descida até cruzar novamente o Rio Corisco para sua margem direita. Essa é a trilha que se inicia lá no portal de concreto do Sitio São Francisco e sem dúvida nenhuma era muito mais demarcada que a trilha que eu tinha vindo.
Saindo da mata e de volta à civilização |