13 de outubro de 2021

Relato: Retorno à Trilha do Telégrafo - De Paraty até Ubatuba pela Serra do Mar - Dessa vez consegui

Sabe quando a gente tenta fazer uma trilha e não dá certo por algum problema?
Aconteceu no final de 2019, quando tentei fazer essa trilha pela primeira vez. 
Devido às chuvas e um problema no encaixe do carregador no celular, tive que retornar ao chegar na divisa dos Estados SP/RJ, onde existe um marco de concreto do ano de 1957. 
Não vou entrar nos detalhes, senão esse relato ficará muito grande. Veja o perrengue que passei nesse link.
Como não deu certo nessa primeira vez, não sou de desistir tão fácil, então eu tinha que voltar lá, mas só com a certeza de tempo bom, sem chuvas.
Era a minha 6ª vez nessa região e agora tinha que dar certo. Nas outras vezes eu estava tentando fazer a Trilha do Corisco (trilha histórica que liga Paraty até a Casa da Farinha em Picinguaba, Ubatuba) e numa das tentativas de encontrá-la pelo Bairro do Coriscão, eu vi antigos postes de telégrafo, que depois fui pesquisar na internet. 
Os postes datam de 1870, na época que ligavam a Corte do Rio de Janeiro até a cidade de Porto Alegre e isso me atiçou a curiosidade de algum dia finalizar. Por muitos anos esse caminho era usado pelos produtores de bananas e ainda é, já que até o ponto mais alto dessa trilha, que é a divisa dos Estados, encontrei muitos pés de bananas e com trilha bem demarcada até esse trecho.
A partir dali, a trilha é de navegação difícil, sendo muito arriscado fazê-la sem a ajuda de um GPS ou por pessoas com pouca experiência em trilhas. Essa com certeza colocaria na lista das trilhas casca grossa que eu já fiz.
Com 30 dias de férias, tinha que voltar lá. Tempo eu tinha, agora era encontrar uns 2 ou 3 dias sem chuvas para fazê-la sem o risco de passar pelo mesmo perrengue da primeira vez.
Pelo menos o problema do celular estava resolvido, mas sempre tem o clima e assim fui consultando os sites de previsão do tempo. 
E naquele início do mês de Setembro as noticias não eram boas, pois estava chovendo naquela região de Ubatuba e assim fiquei aguardando o tempo melhorar, o que aconteceu só lá pela segunda quinzena. 
A logística para chegar no início da trilha é muito tranquila e por ser uma caminhada que se inicia numa cidade e finaliza em outra, achei melhor ir de ônibus.

Fotos acima, um dos vários postes de telégrafo pela trilha e o marco de concreto da divisa RJ/SP

Fotos dessa caminhada: clique aqui

Vídeo gravado ao longo dessa caminhada: clique aqui

Tracklog da trilha: clique aqui


Embarquei no Terminal Tietê no início de uma manhã de Domingo e minha intenção era montar acampamento no começo da trilha, mas quando passamos de ônibus pelo trecho de serra descendo para Caraguatatuba o tempo fechou e até caia uma garoa, me batendo um desanimo já que Paraty não estava tão longe e a minha caminhada era nessa altitude.
Fui chegar em Paraty durante a tarde com tempo nublado e tudo encoberto na região da serra. O ônibus que eu iria tomar era o circular para o Bairro do Coriscão, saindo cerca de 1 hora depois e eu com uma pequena mochila cargueira fiquei na Rodoviária pensando o que fazer. Começaria naquele mesmo dia a caminhada ou deixaria para o dia seguinte, uma Segunda-feira. E agora José?
Quer saber de uma coisa? Tô de férias, então para que a pressa? Vou aguardar o dia seguinte para o clima melhorar. 
E por volta das 17:00hrs fui para um Hostel, ao lado da Rodoviária, que estava relativamente vazio e era o que eu queria.
Passeio pelo centro histórico
Depois de passear pelo centro histórico a noite e comer uma moqueca de camarão, voltei ao Hostel e fui dormir cedo, já que minha intenção era completar a trilha em um único dia.
Por volta das 06:00hrs já estava levantando e embarquei no circular Coriscão as 06h40min.  
Ao longo do trajeto já dava para ver o Sol banhando as partes altas da serra, o que era um bom prenuncio do que poderia acontecer ao longo dia.
Ponto final da linha Coriscão
O percurso foi rápido e as 07h15min já desembarcava no ponto final da linha, que marca o fim do trecho asfaltado da Estrada do Coriscão, que de agora em diante segue serra acima, mas por estrada de terra. 
Ligo o celular e começo a gravar o percurso no app wikiloc ganhando altitude sem muito esforço. O Sol já começa a dar as caras naquele vale e com um céu estupidamente azul sem nuvens.
Dia maravilhoso
Passando por pequenas chácaras e residências, o caminho é sempre continuar pela Estrada do Coriscão, ganhando altitude aos poucos.
O Rio Corisco segue do lado direito e de alguns trechos é possível ver algumas pequenas quedas. Afluentes do Rio cruzam a estrada com baixo volume de água, diferente de quando tentei fazer essa trilha pela primeira vez.  
Bifurcação à esquerda
Com cerca de 30 minutos de caminhada, passo ao lado da entrada da Reserva Chão de Estrelas (antigo Sitio São Francisco). Nesse local, nas caminhadas anteriores, eu saia da estrada e seguia por uma trilha bem demarcada à esquerda que leva ao alto da serra (também é uma opção ao caminho que estava fazendo). 
Rio Corisco
Mais alguns metros e cruzo a ponte sobre o Rio Corisco e continuo pela estrada. Surgem algumas placas indicativas de Vista Alegre e exatamente as 08:00hrs passo ao lado da última residência (que é a Vista Alegre – uma residência disponível no AirBnB), do lado direito. 
Vista Alegre
Mais alguns metros e chego numa bifurcação, onde continuo seguindo em frente até passar ao lado de uma placa do Parque Nacional da Serra da Bocaina.
O que me chamou a atenção aqui foi um cachorro cuidando de um cesto de bananas recém-colhido. Acho que passei exatamente no horário em que os bananeiros estavam colhendo a fruta.
Cachorro cuidando das bananas
Outra bifurcação onde para a direita é necessário cruzar uma cerca de arame e o tracklog segue nessa direção, mas como já tinha passado por essa trilha, resolvo seguir na bifurcação da esquerda, onde cruzo uma cerca de arame e saio em uma área de pasto aberto.
Área de pasto
Não me preocupo em sair da rota do tracklog que eu seguia, porque as 2 trilhas irão se encontrar uns 20 minutos serra acima.
Pela área de pasto, cruzo com 2 cavalos e algumas cercas de arame até sair da trilha principal à direita e chegar numa casa recém demolida, que só possui uma cobertura sem as paredes e provavelmente é usada para estocar as bananas retiradas daquela região.
Próximo da trilha
Numa emergência, é um bom local para acampamento. 
Só alguns clics do lugar e mais outro cachorro cuidando das bananas. Retorno para trilha principal seguindo o tracklog e com uns 5 minutos de trilha, antes de chegar num grande bambuzal, sigo na bifurcação da direita, contornando os bambus.
Agora o trecho de subida começa a ficar mais íngreme, porém a trilha é demarcada e sem grandes dificuldades, mas é por pouco tempo.
Trilha em meio à mata
Não demora muito e a trilha segue no plano com algumas bifurcações à direita, onde o GPS demora para mostrar o caminho certo devido a mata densa e em 2 trechos me perdi. Depois de perceber o erro, voltei para trilha original e segui em frente.
Nessa parte da trilha, ela não é tão demarcada como nos trechos anteriores. Pelo menos a vegetação não estava molhada e por algumas brechas nas árvores, os raios do Sol chegam ao solo.
Trilha escondida
Vários riachos pelo caminho e depois de algumas paradas finalizo numa trilha bem demarcada que vem da esquerda e segue para direita, subindo. 
Essa é a trilha que se inicia lá em frente ao Sitio Reserva Chão de Estrelas e finaliza em uma pequena chácara um pouco mais acima.
Junto ao final da trilha que tinha vindo, encontro um pequeno lago com algumas bananeiras, sendo um ponto de referencia. 
Lago com bananeiras
Descendo agora à esquerda pela trilha mais demarcada, como se estivesse retornando, saio em uma bifurcação à direita alguns metros abaixo, onde o tracklog me conduz até a margem do Rio Corisco às 10h15min.
O volume d’água é pouco e pulando por algumas pedras consigo cruzar o rio sem molhar as botas, bem diferente de quando passei aqui a quase 2 anos atrás, com rio batendo quase na cintura. 
Cruzando Rio Corisco
A trilha, a partir daqui já tá bem mais demarcada, com cortes recentes de facão na vegetação e sem bifurcações vou ganhando altitude mais facilmente.
Surgem grandes plantações de bananas e chego a conclusão que o motivo da trilha estar aberta é devido aos bananeiros, que usam a trilha para recolher a fruta e levá-las para o Bairro.
Trilha demarcada
Algumas aberturas na vegetação mostram que o Sol reina naquela região e pouco antes das 11:00 hrs encontro o primeiro poste de telegrafo ainda em pé. Todo de metal, está em perfeito estado e ainda conta com os cabos - e lembrar que se passaram mais de 100 anos desde a instalação dessa linha. 
Acampamento
Alguns minutos a frente encontro uma grande lona azul em bom estado, ao lado da trilha. Talvez usada para acampamento dos bananeiros. 
Subindo quase em zig zag, a trilha cruza com pequenos riachos e encontro também algumas escadas artesanais, provavelmente usada para subir nos pés de banana e retirar os cachos.
Para colher bananas
Por volta das 11h45min a trilha nivela e encontro outro poste de telégrafo do lado direito e a partir daqui parece que existiu uma antiga estrada nesse trecho, devido a encosta lateral apresentar vestígios de retirada de terra.
A trilha segue demarcada contornando um pequeno morro pela sua esquerda, tendo uma encosta muito inclinada ao lado. 
E pouco depois do meio dia chego no marco de concreto da divisa RJ/SP. Com cerca de 1 metro de altura, ele está cheio de musgos com as inscrições dos estados e do ano de 1957 nas suas laterais.
Quase escondido
Para os mais desatentos o lugar pode passar despercebido, já que ele está quase escondido pela vegetação, do lado direito. 
A altitude nesse ponto é de 945 metros e o início da caminhada foi por volta da altitude de 210 metros às 07h15min. Como levei quase 5 hrs de subida pela trilha, então pelos meus cálculos ainda faltam umas 3 ou 4 hrs de trilha até o final dela, já que daqui em diante é só descida. 
Faço uma limpeza ao redor do marco de concreto e depois de alguns clics inicio a descida pelo lado de SP.
Mais alguns metros e sem perceber sigo numa bifurcação à esquerda por um trecho muito íngreme que foi se fechando aos poucos. Talvez o mesmo trecho que segui a 2 anos atrás. 
Só fui notar o erro depois de olhar no tracklog e constatar que estava a uns 50 metros da trilha original. Que m.. Tinha que voltar tudo de novo. 
Beirando uma enorme encosta inclinada à esquerda, retorno para a trilha mais acima e daqui para frente não tiro o olho do celular, já que a trilha quase some. Difícil seguir aqui sem um tracklog. É quase um zig zag descendo um enorme morro com alguns perdidos e poucos vestígios de trilha demarcada. 
A vegetação não é tão densa nesse trecho de descida, por isso em vários momentos saia da trilha original sem querer, mas era só olhar novamente o tracklog que eu retornaria para o caminho certo mais à frente.
Não chegava a ser um vara mato, porém sem um GPS aqui, as chances de se perder são muito grandes.
Outros postes de telégrafo podem ser visto próximo da trilha e as 13h30min chego em uma gigantesca árvore, que parece ser uma Samaúma.
Possivelmente a árvore Samaúma 
Ela possui raízes tabulares que se desenvolvem na base do tronco, acima do solo. Fácil identificar. 
Contornando a imensa árvore pela direita, a trilha segue um pequeno trecho em declive com vegetação permitindo caminhar sem grandes dificuldades. 
E com menos de 30 minutos, desde a gigantesca árvore, o tracklog me direciona para um rio à direita, onde tem um poço com uma pequena queda. Segundo o IBGE esse é o Rio do Porquinho.
Pequeno poço com cachoeira
São pouco mais de 14:00 hrs e para cruzá-lo é só pular algumas pedras e passar por um tronco de árvore, estrategicamente colocado no local. Parada para lanche e um descanso, já que nos trechos íngremes os dedos dos pés estavam sofrendo muito, surgindo até alguma bolhas. Devido ao cansaço fico pensando se não valeria a pena pernoitar aqui, ao lado do rio, mas olhando o tracklog vejo que outra cachoeira não está muito longe, por isso decido seguir em frente.
Cruzado o rio, daqui em diante sigo no plano por alguns minutos até iniciar o trecho final de descida, quase que em linha reta. A trilha tá bem demarcada, sem bifurcações e provavelmente eu já esteja chegando ao final da trilha.
Restos de uma árvore derrubada
Em cerca de 20 minutos passo ao lado de sobras de uma árvore derrubada, onde alguns pedaços cortados foram deixados no meio da mata. Lamentável.
Em poucos minutos finalizo o trecho pela mata fechada e saio em uma enorme plantação de bananas, pouco depois das 15:00 hrs.
Final da trilha
Daqui já vou caminhando por uma estrada de terra até chegar em uma rústica casa e no lado esquerdo sigo numa bifurcação que me leva para um enorme poção com uma pequena cachoeira.
É um bom lugar para descanso e resolvo que é aqui que vou montar acampamento.
Poderia continuar em frente, mas tinha a intenção de conhecer a Cachoeira do Tombador no dia seguinte e já estava cansado demais para continuar a caminhada.
Poção com cachoeira
Ao lado do poção, procuro 2 árvores para fixar a minha rede, já que para diminuir o peso, eu estava apenas com uma pequena mochila. 
O jantar foi macarrão com sopão e peixe enlatado. A seguir um banho nas águas geladas do rio e assim que escureceu, me enfio no saco de dormir dentro da rede, cobrindo-a com uma lona de plástico preta.
Não sou muito fã de dormir em rede, porque não é tão confortável quanto uma barraca, mas como não queria trazer muito peso e era só aquela noite, não deu para reclamar.
Noite tranquila, sem pernilongos ou chuva.
Por volta das 06h30min já estava acordado e desmontando acampamento.
Ao lado do poção
Um café da manhã reforçado e as 07h15min já estava de volta à estrada. Alguns sítios, chácaras ao longo da descida e também um Hostel com áreas para barracas (GreenSoul Eco Hostel). Passo também ao lado de uma unidade básica de saúde (UBS) para finalizar no ponto final da linha de ônibus circular Ubatumirim. 
São poucos horários do ônibus (apenas 5 de segunda a Sábado e 3 no Domingo) em direção ao centro de Ubatuba.
Ponto final da linha Ubatumirim
Outra opção é tentar uma carona ou continuar a caminhada na direção da Rodovia por 3km, onde têm outras opções de linhas de ônibus que seguem para o centro.

São 08h10min e sem demora, sigo agora para a Cachoeira do Tombador por estradas de terra e mais alguns minutos de trilha pela mata. O total é em torno de 5 Km e todo o trecho é sinalizado com placas. Ou se quiser pode seguir esse tracklog: clique aqui.  
É uma linda cachoeira com várias quedas muito altas, mas extremamente perigosa. Não recomendo de jeito nenhum para crianças. Veja essas fotos.
Criei também esse vídeo: clique aqui.

No retorno da cachoeira, ainda paro para descansar num rio próximo do ponto de ônibus e por volta das 13:00 hrs sigo em direção ao centro de Ubatuba no ônibus circular, onde embarco em um ônibus da Buser de volta para São Paulo no final da tarde. 


Algumas dicas e informações úteis 

# Essa trilha, que percorre trechos do Parque Estadual da Serra do Mar e do Parque Nacional da Serra da Bocaina foi utilizada por muitos anos antes da construção da Rodovia Rio-Santos, na década de 70 por moradores locais para levar seus produtos de Ubatuba até Paraty ou vice versa. Atualmente está sendo tomada pela vegetação, principalmente no trecho paulista da trilha, descendo para Ubatumirim.

# Essa trilha é histórica e em alguns trechos dela é possível observar antigos postes de telégrafo que foram construídos a mais de 100 anos atrás. 

# É uma caminhada difícil e navegação complicada sem um tracklog, por isso não é indicada para pessoas sem experiência em trilhas. Atualmente só guias experientes e alguns moradores locais ainda percorrem esse trecho da Serra do Mar.

# O trecho de estrada de terra pelo lado de Paraty é bem mais longo que pelo lado de Ubatuba, por isso não recomendo iniciar essa trilha por Ubatumirim, já que será um longo trecho de subida por trilha até a divisa SP/RJ.

# Tracklog da Emanuele, disponível no wikiloc: clique aqui

# Apesar do tracklog, essa é uma caminhada muito difícil e sem visual nenhum, já que a maior parte do tempo a caminhada é feita em mata fechada. 

# Horários do circular que faz a linha Paraty-Bairro do Coriscão: clique aqui e veja a foto dos horários.
Ou veja nesse site: clique aqui.   

# Horários do circular em Ubatumirim: clique aqui

# Se quiser evitar os trechos iniciais com vegetação alta, faça o seguinte: ao chegar na entrada do Sítio Reserva Chão de Estrelas, siga por uma bifurcação à esquerda e depois de alguns metros vire à direita. É uma trilha bem mais demarcada que cruza com a do tracklog no alto da serra (já passei algumas vezes por ela, indo ou retornando).

# Nesta carta topográfica da década de 70, mostra exatamente o trajeto da trilha do telégrafo, no canto superior direito. Disponível no site do IBGE: clique aqui.

# Ultima residência na Estrada do Coriscão que tá disponível no AirBnb pertence a Adriana Mattoso: Clique aqui.

# Chegando próximo do final da estrada de acesso a Cachoeira do Tombador, passei ao lado da casa do Guia Joca, que me informou sobre uma cratera que possivelmente foi criada pelo impacto de um asteroide, localizado a oeste da cachoeira. A trilha de acesso é a mesma que leva até a cachoeira. 
Local da queda: clique aqui

Nenhum comentário:

Postar um comentário