Finalmente as minhas férias de Outubro estavam chegando e exatamente 1 ano depois de concluir a travessia da Chapada Diamantina, lá estava eu me preparando para outra clássica travessia da minha lista. Com alguns meses de antecedência fui pesquisar a logística para uma que é obrigatória para qualquer pessoa que curte caminhada/trekking: Lençóis Maranhenses.
Essa fazia parte da minha lista há muitos anos, mas da maneira que eu planejava fazer, teria que dispor de uns 10 a 15 dias, já que minha intenção era fazer sem acompanhamento de guias de agencias e também emendar com outros passeios.
O planejamento era essencial e lá fui eu ler relatos e estudar alguns tracks dessa caminhada. Por conseguir férias somente em Outubro, eu iria pegar quase o final da temporada das lagoas, já que algumas estariam com pouca água ou literalmente secas e com certeza pouca gente ou quase ninguém fazendo a travessia.
Pensei comigo, seriam dunas e mais dunas sem uma vivalma e algumas lagoas privativas só para mim e me hospedando em lugares sem ninguém para compartilhar a experiência. E posso dizer que isso aconteceu mesmo (encontrei somente 1 garota com seu guia num dos oásis e depois nos separamos e nada mais).
Minha intenção era cruzar inteiramente os Lençóis Maranhenses a pé do extremo leste (Vila de Atins) pelas dunas, pernoitando nos oásis até chegar a Santo Amaro do Maranhão numa caminhada, pelas minhas contas, de aproximadamente 70 Km e só encontrando vegetação nesses oásis.
Nos vários relatos que li, todos comentam que o ideal é sempre iniciar a caminhada antes do nascer do Sol com o intuito de evitar o Sol forte depois das 11:00hrs, já que não existem áreas de sombra nos trechos. No sobe e desce das dunas foram diversas paradas em lagoas, algumas com pouca água, outras com água na altura do peito.
Considerado o maior campo de dunas da América do Sul, o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses é o único deserto do mundo com milhares de lagoas (em torno de 30.000 na época das chuvas). São de vários tamanhos, formas e cores com algumas se mantendo durante o ano todo e outras secas em determinadas épocas do ano.
De acordo com o ICMBio, são 1500 Km² de área, com as dunas se deslocando diariamente, sendo que na entrada e saída dos oásis é possível constatar esse fenômeno, já que várias árvores, principalmente cajueiros, estão sendo engolidos pelas dunas.
O Parque está localizado a cerca de 250 Km de São Luís e a porta de entrada para a maioria dos passeios e também para a travessia é a cidade de Barreirinhas, que foi a cidade onde iniciei o meu roteiro para chegar em Atins, que é o início do Parque.
Em Barreirinhas adquiri um passeio de voadeira pelo Rio Preguiças, passando por alguns pontos turísticos até chegar na Vila de Atins, que é o lugar onde comecei de fato a minha caminhada.
Normalmente a travessia costuma ser feita entre 3 a 6 dias, dependendo se fizer com agencias ou em solo sem guia e obrigatoriamente terá de passar por 2 oásis: Baixa Grande e Queimada dos Britos, variando de 40 Km até uns 70 Km de caminhada ou mais se quiser incluir outras lagoas fora do trajeto.
E finalizando essa introdução, é extremamente importante que use algum aplicativo de GPS no celular para quem pretende fazer essa travessia sem apoio de algum guia. Sem esses arquivos o risco de se perder é altíssimo, pois ao longo da caminhada não se tem referencia alguma. São dunas e mais dunas a perder de vista para todas as direções que se olha. No site wikiloc é possível encontrar inúmeros arquivos de GPS para orientar a caminhada, podendo visualizar a trilha a ser seguida em apps de celular.
Nessa postagem vou relatar como foi toda essa minha travessia de pouco mais de 80 Km em 6 dias, desde Barreirinhas até Santo Amaro, acrescentando também 5 tópicos interessantes, assim como dicas do que encontrar ao longo da caminhada, gastos que tive, dificuldades e todas as informações para ajudar no planejamento dessa caminhada.
Nas fotos acima: algumas dunas e lagoas na travessia dos Lençóis
Fotos:
Passeio pelo Rio Preguiças: clique aqui
Travessia dos Lençois Maranhenses: clique aqui
Santo Amaro do Maranhão: clique aqui
São Luis: clique aqui
Vídeo de toda essa caminhada: clique aqui
Tracklog para GPS: clique aqui
1- Melhor época para a Travessia dos Lençóis Maranhenses?
Apesar do calor estar presente o ano todo, tradicionalmente resulta em apenas 2 estações: chuvosa (Fevereiro a Maio) e seca (Junho a Janeiro). Com isso a melhor época é o final das chuvas, de Maio a Setembro, quando as lagoas que se formam entre as dunas estão cheias. Alguns dizem que são os 2 meses do meio do ano (Junho e Julho), mas surge um pequeno problema: a lotação dos redários nos oásis, tendo até dificuldades para encontrar vagas em muitos deles – é o que me foi passado por alguns proprietários. Pode acontecer também de ter um pequeno aumento do tempo e da distancia na alta temporada, pois com todas as lagoas cheias, não é possível cruzá-las com a mochila, então só contornando.
Já um problema fora da alta temporada são as lagoas secas ou com pouca água em alguns trechos, principalmente entre Canto dos Atins e Baixa Grande.
Lagoa do Cajueiro cheia |
Eu fui nos primeiros dias de Outubro e encontrei muitas lagoas secas ou com pouca água, principalmente no trecho Canto dos Atins-Baixa Grande e com os redários vazios.
Quanto ao uso das águas das lagoas para beber, não tive opção, já que a agua das minhas garrafas Pet tinham acabado. O que eu fiz foi colocar uma pastilha de Clorin dentro de uma garrafa de 1,5litros. Esperei por alguns minutos, matei minha sede e saí de lá inteiro.
2 – Travessia solo, em grupo, privativa com ou sem guia?
A escolha de um guia de agencia ou não para fazer a travessia completa dos Lençóis é muito pessoal. Depende de uma serie de fatores: preços, época do ano, experiência, se está sozinho ou não.
Fazer a travessia com guias de agencias em grupo ou privativo tem suas vantagens e desvantagens, assim como fazer sem o acompanhamento dos guias.
Na minha pesquisa de agencias e guias encontrei preços de R$1500 até R$2500 ou mais, que incluem transporte e pernoite, mas sem as refeições. Claro que vai depender da agencia (se privativo ou em grupo), do guia, o que tá incluso e onde se inicia a caminhada, por São Luís ou Barreirinhas.
São valores altos e a diferença para quem está fazendo sem o acompanhamento de guia ficou grande, então para mim valeu muito mais a pena ir sem guia.
Só ressaltando que a contratação de um guia não é obrigatória. O Parque Nacional só oferece uma lista de guias no site, mas não exige a obrigatoriedade da contratação.
Árvores engolidas pelas dunas |
Claro que uma caminhada como essa sem acompanhamento de guias exige certa experiência e um bom preparo, tanto físico quanto psicológico e caminhar num desertão com trechos de quase 30 Km, onde são apenas dunas e lagoas não é para qualquer um. E ainda mais sozinho, que foi o meu caso.
Na época de alta temporada, se alguém planeja fazer sem acompanhamento de guias, é recomendado que se reserve a hospedagem antecipadamente, já que existe o risco de não se encontrar vaga no redário escolhido ou até pior, não ter mais refeição. Foi o que eu li em um dos relatos; só não lembro qual.
No topo das dunas |
3- Redários – locais de hospedagem
Para quem não conhece o que é um redário, é um espaço onde são disponibilizadas as redes para dormir ou apenas para descansar depois de uma caminhada entre um trecho e outro. Nos dois principais oásis (Baixa Grande e Queimada dos Britos) residem cerca de 30 famílias e todas fornecem hospedagem em redários, então dificilmente terá problemas em encontrar vagas, claro que fora da alta temporada, como já mencionei no item acima. Ao longo dessa travessia fiquei hospedado somente 1 noite numa Pousada na Vila de Atins. Depois foram:
- Redário do Seu Antônio em Canto dos Atins
- Redário Dona Odete e Seu Moacir em Baixa Grande
- Redário da Maria de Jesus de Biziquinho em Queimada dos Britos
- Redário Dona Lindalva (Restaurante Novo Horizonte) em Betânia
Redário do Seu Antônio |
A alimentação fornecida nesses redários é simples, sem muitas opções. Geralmente os cafés da manhã incluem tapiocas, bolos, ovo mexido, café, leite em pó, biscoitos e algumas frutas. Almoço ou jantares incluem arroz, feijão, macarrão, salada e algum tipo de carne (frango, galinha caipira, peixe, ovo ou até omelete).
Redário em Baixa Grande |
Canto dos Atins e em todos os outros oásis são vendidos também algumas bebidas como agua, sucos, refrigerantes e cervejas. Em Baixa Grande eu paguei R$10 na garrafa PET de 1,5litro, enquanto que no Redário de Betânia o valor era R$5. Cerveja em torno de R$15.
Redário em Queimada dos Britos |
Durante a noite, mesmo dentro dos redários, não senti frio em momento algum. Faz muito calor, mas o vento é constante, então não vi a necessidade de blusas ou jaquetas.
Quanto a energia elétrica, não precisa se preocupar de como recarregar o celular, pois todos eles possuem geradores/placas solares que ficam ligados em vários horários do dia.
Redário em Betânia |
4- Por onde iniciar a caminhada?
Leste-oeste com toda certeza. A caminhada nessa direção é devido aos ventos constantes que sopram no mesmo sentido, já que é bem mais tranquilo tendo a areia e os ventos batendo nas suas costas e não no rosto. E sem contar o fato que as dunas possuem uma inclinação bem mais suave seguindo nessa direção e extremamente cansativo ir subindo por elas se alguém quisesse fazer a travessia no sentido inverso, de oeste-leste.
Descendo a duna |
Pequenos Lençois no passeio pelo Rio Preguiças |
Por não ter dormido no voo da madrugada São Paulo-São Luís, estava bem cansado, por isso fiquei hospedado numa Pousada na Vila de Atins para somente no dia seguinte iniciar a caminhada pelos Lençóis com o roteiro e distancia abaixo:
- Vila de Atins – Canto dos Atins: 6 Km
- Canto dos Atins - Baixa Grande: 28 Km
- Baixa Grande - Queimada dos Britos: 10 Km
- Queimada dos Britos - Betânia: 18 Km
- Betânia - Santo Amaro do Maranhão: 9 Km
O percurso que eu fiz totalizou cerca de 80 Km, sendo que em Canto dos Atins fiz um roteiro por algumas lagoas próximas antes de iniciar a travessia do Parque.
5- Valores Gastos:
Passagem aérea São Paulo-São Luís ida/volta em voos de madrugada - R$1100.
Dia 1: São Luís x Barreirinhas x Vila de Atins:
- Transfer Aeroporto São Luís-Barreirinhas: Empresa Aventour (98) 98871-0708, com transporte em van realizado pela empresa Expresso Guilherme (98) 98496-2975 - R$95.
- Voadeira Barreirinhas x Atins (com passeio no Rio Preguiças): Macaquinho Turismo (98) 98824-3320 - R$80.
- Pousada Estresse Zero em Atins: hospedagem + jantar + café da manhã - R$233.
Dia 2: Vila de Atins x Canto dos Atins:
Redário/Restaurante do Seu Antônio (98) 99150-1016: pernoite + jantar + café da manhã - R$120.
Dia 3: Canto dos Atins x Baixa Grande:
Redário da Dona Odete e Seu Moacir (98) 99144-7770/99985-2308:
pernoite + jantar + café da manhã + garrafa pet agua - R$150
Dia 4: Baixa Grande x Queimada dos Britos:
Redário Maria Jesus de Biziquinho (98) 99609-2199: pernoite + jantar + café da manhã - R$140.
Dia 5: Queimada dos Britos x Betânia:
Redário/Restaurante Novo Horizonte (98) 98739-3731: pernoite + jantar + café da manhã + garrafa pet água - R$125
Dia 6: Betânia x Santo Amaro:
Pousada Reflexo das Águas com café da manhã - R$150.
Restaurante + outros gastos - R$100.
Dia 7: Santo Amaro x São Luís
Transfer Santo Amaro - São Luís: Mirotur (98) 98717-5357 - R$90.
Pousada Portas da Amazônia (centro histórico) com café da manhã - R$180.
Restaurante no centro histórico + outros gastos - R$160.
Dia 8: Ônibus circular até Aeroporto de São Luís - R$4,20.
Gasto total da viagem: em torno de R$2700
Relato
Dias 1 e 2: São Luís - Barreirinhas - Atins - Canto dos Atins
Depois de trocar várias mensagens pelo Whatsapp com empresas de transfer, passeios e algumas pousadas e deixar acertado logística e a hospedagem na Vila de Atins, era hora de arrumar a mochila. Dessa vez não iria levar a cargueira, já que a barraca e o saco de dormir iriam ficar de fora. Então escolhi outra mochila que eu tinha de 40 litros e deu para caber tudo que pretendia levar.
Saindo de Guarulhos em voo direto pela Gol, fui chegar em São Luís por volta das 03:00hrs da madrugada e na saída do aeroporto encontrei algumas vans estacionadas que fazem o trecho até Barreirinhas e lá fui eu procurar a minha, mas nenhuma delas era da Aventour .
O transfer, que eu já tinha pago 50%, iria me pegar as 04:00hrs, então eu é que estava um pouco adiantado.
Fico aguardando do lado de fora do aeroporto e pouco depois das 04:00hrs a van chegou. Não era a da Aventour e tinha o logotipo da Expresso Guilherme, mas era essa mesmo. Com um total de 7 passageiros, seguimos para Barreirinhas e ao longo do caminho cochilei algumas vezes, parando para tomar um café da manhã numa pequena lanchonete na Rodovia.
Depois disso só lembro de ter acordado já no píer de Barreirinhas, quando a van parou para somente eu desembarcar pouco antes das 07:00hrs.
Pier de Barreirinhas |
De frente para os barcos que saem para os passeios pelo Rio Preguiças, fiquei aguardando em frente a uma sorveteria. O transfer na voadeira que eu tinha comprado seguiria direto para Vila de Atins, mas o horário era muito ingrato: meio dia. Como tinha pago 50% do valor (R$40) pensei bem e achei que valia a pena perder esses 40 Reais e adquirir o passeio pelo Rio Preguiças que iria sair as 08h30min com a empresa Macaquinho Turismo.
Descendo o Rio Preguiças de voadeira |
Além de mim tinha um outro casal com um guia no barco que também iriam fazer a travessia dos Lençóis, indo direto para Canto dos Atins naquele dia. Já a minha intenção era ficar na Vila de Atins.
No topo do Farol com praia ao fundo |
Vila de Atins |
Depois de um breve café da manhã e mochila arrumada, saí da pousada por volta das 06h30min em direção ao Canto dos Atins, a cerca de 6 Km.
Todas as ruas são de areia e para piorar, é uma areia fofa e que se torna quente ao longo da tarde, então para caminhar por elas é complicado - ideal é sempre descalço e foi assim que iniciei a caminhada.
No percurso pelas ruas da Vila vejo algumas vans pegando crianças que provavelmente estavam indo para escola.
Naquele horário o Sol já começava a dar as caras e a temperatura ainda era amena, mas é um trecho cansativo caminhar pelas ruas da Vila, já que a areia é muito fofa. A direção é sempre rumo oeste, mas como são várias bifurcações, é bom ter um arquivo de GPS para ir seguindo. Cruzei com algumas pequenas lagoas no meio da estrada, mas nada muito difícil. Assim que as últimas casas da Vila iam ficando para trás, as primeiras dunas dos Lençóis vão surgindo logo à frente. Aqui a estrada segue contornando elas pela direita, mas eu não resisto e fui correndo subir as primeiras dunas. É um misto de alegria e emoções que não conseguia explicar. Só quem fez pela primeira vez pode descrever isso.
Início das dunas do Parque |
Com quase 2 horas de caminhada chego no Restaurante do Seu Antônio.
O lugar ocupa uma área bem grande com restaurante ocupando a maior parte, banheiros e quartos privativos. O redário é um galpão aberto coberto de palha e piso de concreto, ao lado do restaurante, que é muito famoso pelo camarão grelhado na brasa. Tem wi-fi e marquei de jantar para o início da noite e claro com o conhecido camarão.
Restaurante/redário do Seu Antonio |
Seguindo na direção das dunas, o trecho é bem tranquilo com cabras e cabritos soltos naquela vegetação rala sem serem incomodados, mas lagoa que é bom, não encontrei nenhuma das 2. Na verdade só achei umas 3 com água até altura das canelas e muitas outras totalmente secas.
Voltei para o redário e agora fui na direção da praia, como se estivesse seguindo a trilha para Baixa Grande. Explorei também um pequeno trecho de braço do Rio Preguiças, onde encontrei algumas cabanas de pescadores.
Retornei para o redário no final da tarde e acertei com Seu Antonio o valor do jantar e o pernoite, que ficou em cerca de R$120 (pagamento no cartão, pix ou dinheiro). Só o café da manhã que era bem básico mesmo e por sair do redário por volta das 04:00hrs da madrugada em direção a Baixa Grande, iam deixar ele já preparado.
Famoso camarão grelhado |
Banho tomado, agora era dormir na rede e por ser minha primeira experiência, achei que teria problemas para pegar no sono. Estava bastante calor, mas o vento era constante. Com as luzes apagadas, era só eu no redário e nem lembro a hora que peguei no sono. Tinha colocado o alarme do celular para as 03h30min, mas antes disso acordei naturalmente renovado e sem dores no corpo para o trecho mais longo dessa travessia: 28 Km.
Dia 3: Canto dos Atins à Baixa Grande
O café da manhã básico já me aguardava em cima de uma das mesas deixada por Seu Antônio e acrescentei também algumas frutas secas que tinha trazido. Mochila arrumada, agora é pé na trilha. Ou melhor, pé nas dunas já que seriam horas e horas caminhando na areia. O motivo de acordar tão cedo é devido ao Sol forte depois das 11:00hrs, já que o cansaço e o desgaste físico são maiores depois desse horário. Têm pessoas que até preferem caminhar mais cedo ainda, mas perdem a beleza das dunas.
Amanhecendo |
É aqui que vou mergulhar de verdade naquela imensidão de dunas à perder de vista, afinal são quase 30 Km de caminhada nesse trecho e sozinho.
Para qualquer direção que se olhava era só deserto. É uma sensação de alegria e deslumbramento misturado com apreensão e um pouco de medo, já que estaria seguindo o tracklog pelo GPS do celular. E se desse alguma coisa errada no celular? Que caminho seguir? É tanta lagoa a ser desviada que você perde até a direção que tá seguindo. Um pouco sinistro né, mas eu vim para cá com essa intenção, então vamos caminhar.
Na verdade nos Lençóis não existe um caminho ou trilha que deve ser seguido, já que as dunas se movimentam constantemente.
Outra opção nesse primeiro trecho é uma caminhada quase que inteiramente pela praia, devendo seguir por ela até encontrar o Rio Negro desaguando na praia com pequena cachoeira chamada de Bonzinho. No local existem algumas cabanas de pescadores e dali é só ir subindo o rio, adentrando os Lençóis para chegar em Baixa Grande. Mas qual a graça disso? Cortar uma parte dos Lençóis só para seguir pela praia? Caminhar assim eu prefiro o litoral da Bahia, pelo menos lá tem os grandes coqueiros com sombra e água de coco.
Com um pouco de demora fui sair do redário do Seu Antônio pouco antes das 04:00hrs ainda na completa escuridão e aqui tive que ligar a lanterna. O track que eu seguia ia me levando na direção da praia. É um trecho tranquilo, plano, sem dunas e com muitos rastros de veículos, mas o que chamava a atenção era o Farol de Mandacaru com sua enorme luminosidade atrás. Conhecido também como Farol Preguiças, sua luz poderia ser vista a kms de distancia.
Cabana de pescadores junto da praia |
São 05h20min e agora sim eu estava entrando definitivamente naquele imenso deserto e sem referencia alguma.
E seguir somente com ajuda do arquivo de GPS do celular, que peguei no wikiloc, era ao mesmo tempo assustador e emocionante.
Alguns metros à frente vejo veículos 4x4 ao longe seguindo na direção da praia, mas como ainda estava um pouco escuro só consegui visualizar os faróis e não percebi se estava cheio de turistas ou não.
Primeiros raios de Sol |
Logo os primeiros raios do Sol começam a surgir à leste. São 05h40min e a caminhada vai seguindo por algumas lagoas secas alternadas com outras com pouca água e muitas dunas para subir e descer. Devido a maioria das lagoas estarem secas ou com pouca água não precisei contorná-las; era só descer a duna e cruzar as lagoas de uma ponta a outra.
Lagoa Verde |
Formada pela água das chuvas, ela é gigantesca e tinha uma fina camada de água, até um pouco abaixo dos joelhos. Era a primeira que eu encontrava e até deu para se refrescar. Depois de passar por dentro dela, vou tendendo para oeste com o Sol e o vento batendo nas minhas costas.
A cada duna vencida, parecia que elas estavam aumentando de tamanho e estavam mesmo. As dunas possuiam uma inclinação suave e eu demorava cada vez mais para atingir o topo e assim era a minha caminhada: sobe duna, desce duna, cruza lagoa seca e volto a subir novamente.
Topo das dunas |
Você olhava para o horizonte e só via isso; dunas e mais dunas para todos os lados, nenhuma vivalma ou vegetação. Só encontrei mesmo algumas cabras, bodes, porcos selvagens e um ou outro cavalo pastando nas lagoas secas, mas quando eu me aproximava, os animais saiam correndo. Só ficava pensando porque demorei tanto para vir fazer essa travessia.
Mais lagoas |
As dunas se dividiam da seguinte forma: nas partes mais altas o vento é muito forte e a areia é mais dura, facilitando a caminhada. Já ao descer, você afunda o pé na areia e nas margens das lagoas com pouca água, parece que existe uma areia movediça. Em alguns momentos passei perrengue, pois comecei a afundar assim que fui passando pela margem. Tive que ajoelhar e quase que deitar para sair de quatro da lateral da lagoa. Perigoso.
Parei em alguns momentos para um banho e um breve descanso e quando minha água acabou só me restava pegar das lagoas mesmo. Enchi a garrafa pet e coloquei uma pastilha de Clorin, deixando por alguns minutos até dissolver por completo.
Com as horas avançando, o Sol ia se tornando cada vez mais quente e o protetor solar era obrigatório. Já passava das 11:00hrs e nada da Baixa Grande surgir no horizonte. Estava ficando preocupado, pois o Sol estava a pino e o cansaço era evidente. Pelo menos o vento forte dava uma amenizada.
Baixa Grande chegando |
Só fico pensando como aquelas árvores se mantem num solo de areia e numa delas parei para um descanso merecido na sombra, já sabendo que Baixa Grande estava bem próximo e não demorou muito mesmo. Mais uns 2 Km e eu entrava definitivamente no oásis, cruzando um pequeno rio até chegar na casa da Dona Odete e Seu Moacir.
Redário Dona Odete |
Foram quase 10 horas de caminhada, com o relógio marcando 13h40min.
No local estavam Dona Odete, Seu Moacir e um funcionário (ou filho, não tenho certeza) que moram a muitos anos no local e resolveram construir um redário para os caminhantes que estão fazendo a travessia do Parque.
A hospedagem fica dentro de um quintal fechado com cerca e com presença de alguns animais: cabras, bodes, patos, galinhas, frangos, porcos e muita vegetação ao redor da propriedade. A energia elétrica é fornecida por um gerador que fica do lado de fora da propriedade e conta também com wi-fi por internet via satélite.
O redário é num galpão coberto de palha com paredes e não vi quartos privativos (talvez tenha), somente as redes no galpão. A residência é simples e feita de taipa. Uma autentica casa nativa.
Residencia |
Depois de um breve descanso na rede, fui explorar a região ao redor. Me esbaldei nos cajueiros. Tinha de uma variedade bem docinha de casca totalmente amarela e outro vermelho, um pouco mais marrento.
Combinei com Dona Odete o jantar com carne de frango que incluía arroz, feijão, salada, macarrão e suco para o início da noite. Comida farta e saborosa.
Depois do jantar era hora de dormir e lá fui eu sozinho para o redário. São várias redes e todas já estão com um lençol. Só foi colocar o meu travesseiro inflável e noite de sono tranquila. Só o vento que soprou forte a noite toda, o que ajudou até diminuir um pouco do calor.
Tinha sido um dia difícil e exaustivo, mas os próximos seriam mais tranquilos, já que as distancias nos trechos eram menores, então coloquei o despertador do celular para as 06h30min da manhã.
Dia 4: Baixa Grande – Queimada dos Britos
Quando acordei o Sol já tomava conta do lugar, prometendo ser mais um dia ensolarado. Com a mochila arrumada fui tomar o café da manhã que incluía café, leite em pó, tapioca, bolo, ovos mexidos e algumas frutas. É básico, mas dava para se manter com ele até o próximo oásis, que é a Queimada dos Britos, mas especificamente no Redário da Maria de Jesus de Biziquinho.
Por ser um dos trajetos mais curtos, cerca de 10 Km, não estava com pressa para iniciar a caminhada. Aproveitei para pegar alguns cajus ao redor da propriedade e ia comendo ao longo da travessia.
Dunas ao lado do redário |
Saindo da área de vegetação do oásis, é preciso cruzar o Rio Negro e novamente aquele problema da areia movediça – ao passar pela margem dele, passe bem rápido para não começar a afundar.
Primeiras lagoas |
E para não ficar tirando as meias a todo o momento nesse trecho, preferi ir somente de papete, assim quando estava cruzando alguma lagoa e queria mergulhar era só deixar a mochila na margem e aproveitar. Mas não foi uma boa ideia tirar as meias, porque surgiram algumas bolhas nos pés.
Lagoa cheia |
Por ser um trecho curto, então dava para explorar outras lagoas que estavam fora do trajeto que eu seguia. O que também encontrei em uma quantidade maior foram animais, como cabras e porcos selvagens.
Com cerca de 2 horas de caminhada já visualizava algumas árvores, numa ponta da vegetação da Queimada dos Britos e o track me indicava para contornar para direita.
Queimada dos Britos chegando |
Queimada dos Britos |
Outra característica que chama a atenção é a grande quantidade de cajueiros. E nem era preciso muito esforço para apanhá-los.
Época seca |
Redário da Dona Maria de Jesus de Biziquinho |
O redário tem uma boa infraestrutura e achei até melhor do que a Dona Odete.
Quem cuidava do lugar era Seu Biziquinho (marido da Dona Maria de Jesus), considerado por muitos com um dos melhores guias do parque, mas infelizmente veio a falecer anos atrás.
Depois de um breve descanso na rede, fui conhecer a região. Encontrei muitas lagoas com pouquíssima água e outras só com lama. Quem fazia a festa eram os porcos.
Por do Sol nas dunas |
Voltamos para o redário já anoitecendo e outro visual maravilhoso era o céu aberto e repleto de estrelas. O Cruzeiro do Sul, as 3 Marias estavam fáceis de observar, mas o que mais chamava a atenção era a Via Láctea, facilmente vista a olho nu.
O jantar foi o básico e a carne era omelete. Pelo menos era bem farta.
Outra noite tranquila e marquei no alarme de acordar novamente as 06h30min.
Dia 5: Queimada dos Britos - Betânia
Quando levantei e fui tomar o café da manhã, a garota e o guia já tinham saído algumas horas antes, mas como não tinha pressa de chegar em Betânia, preferi seguir já com o Sol. O trecho é quase o dobro do dia anterior (18 Km).
Parque Nacional |
Fui sair do redário pouco depois das 07:00hrs e nesse dia a quantidade de lagoas que iria cruzar seria bem maior, com as primeiras surgindo depois de uns 30 minutos.
Conforme avançava, elas iam ficando cada vez maiores, algumas gigantescas mesmo. E nessas eu parava sempre para um mergulho. Não dava para resistir. Cada lagoa de formas e cores diferentes. Sem dúvida esse foi o trecho mais bonito de toda a travessia.
Lagoas |
Por volta das 11:00hrs consigo ver alguns veículos 4x4 no topo de uma duna bem ao longe, mas Betânia ainda não surgia no horizonte. E quanto mais eu me aproximava dos veículos, percebi o motivo.
Era a imensa Lagoa do Cajueiro, que estava com alguns visitantes e no seu entorno muitos guarda-sóis e cadeiras. Era complicado contorná-la para chegar do outro lado e por isso preferi ir descendo a duna para chegar na margem dela.
Lagoa do Cajueiro |
Já do outro lado, deixei a mochila na margem e fui mergulhar com a câmera para gravar um vídeo embaixo d’água. Naquele local a profundidade chegava na altura do peito (acho que pouco mais de 1,50mt), mas vi outros lugares onde a profundidade parecia ser maior ainda.
Mergulhando |
Outras 2 grandes lagoas próximas dessa são a do Junco e do Murici, mas nem cheguei a ir lá. Talvez numa outra oportunidade.
E por volta do meio dia voltei a caminhar sentido Betânia e com alguns minutos já dava para ver a imensa Lagoa de mesmo nome.
Lagoa Betânia |
Dali fui adentrando pela vegetação até chegar na margem do Rio Negro e cruzá-lo sem maiores dificuldades. Passei ao lado do Restaurante Cantinho da Felicidade (atualmente o lugar não tem mais redário) e segui até o Restaurante/Redário Novo Horizonte, pertencente a Dona Lindalva, onde o irmão da Dona Maria de Jesus tinha me indicado para pernoitar.
Redário Novo Horizonte |
Mesmo sendo uma dia de semana (quinta–feira) o restaurante estava bem cheio com muitas Toyotas estacionadas na frente, que provavelmente eram turistas visitando as lagoas próximas. É o tipo de passeio bate-volta, saindo de Santo Amaro, que estava relativamente próximo.
Para o jantar eu escolhi um prato com camarão, que estava bem farto e delicioso.
Dia seguinte seria último dia nos Lençóis e já estava ficando com saudades das lagoas e dunas.
Dia 6: Betânia - Santo Amaro
Café da manhã básico novamente com tapioca, frutas e clima de despedida.
Saí do redário por volta das 07h30min na direção das dunas por outro caminho, para encurtar a caminhada.
Voltando para as dunas |
É um trecho curto de pouco mais de 9 Km, mas com 2 caracteristicas que não gostei: eram poucas as lagoas e a grande quantidade de veículos de agencias. A cada duna que eu subia, dava para ver um ou outro veiculo 4x4 seguindo na direção de alguma lagoa.
Mais lagoas |
O percurso é quase que no visual, já que em vários momentos era só seguir as marcas de pneus dos veículos 4x4. Dava para ver também alguns paus com bandeiras ao longe, que serviam de referencia para os veículos, então era só seguir na direção delas.
Final dos Lençois |
Sem dúvida nenhuma uma das mais lindas caminhadas que já fiz. Desafiadora e maravilhosa são as 2 palavras que melhor retrata essa travessia. Na verdade todos os adjetivos que poderia descrever dessa caminhada ainda é pouco. A experiência de se caminhar nesse mar de dunas e muitas lagoas não têm palavras. São paisagens e cenários que só existem aqui e que vão muito além disso. Para quem curte caminhada, essa é obrigatória para ter no currículo.
Fiscalização |
Vou seguindo pelas ruas da cidade e ao encontrar uma sombra em alguma praça, faço uma pesquisa no Booking de alguma pousada próximo do centro e que contasse com ar condicionado porque o calor estava insuportável e a Pousada Reflexo das Águas foi a escolhida.
Rio Negro |
E antes de chegar na Pousada passei na empresa de turismo Mirotur, que fica bem próxima e fechei com eles o transfer para São Luís para o dia seguinte as 13:00hrs. Melhor se garantir.
Depois de deixar as coisas na pousada e dar uma organizada na mochila, segui para a praça principal, a 2 quarteirões da pousada. Queria conhecer a cidade e procurar algum restaurante para jantar a noite.
Não deixe de conhecer |
Voltei para a Pousada já de noite e para o dia seguinte tinha que reservar uma pousada em São Luís. Era outra cidade para visitar.
Dia 7: Santo Amaro x São Luís
Depois de fazer o chekout na pousada, aguardei um tempinho e logo a van chegou. O trecho até São Luís foi tranquilo com uma parada no meio do caminho e pouco depois das 16:00hrs já chegava na cidade.
Fiquei na Pousada Portas da Amazônia, no centro histórico e em seguida fui conhecer as ruas próximas.
Vista da pousada |
O centro histórico da cidade é considerado pela Unesco como patrimônio cultural da humanidade, sendo a maioria imóveis coloniais tombados dos séculos XVIII e XIX. É um passeio pela história. Vale a pena ficar 1 dia aqui.
Centro histórico |
Dia 8: Retorno para São Paulo
A pousada fica bem no meio do centro histórico e depois do café da manhã fui visitar outros lugares turísticos da região. Por ser um Domingo, numa das ruas próximas estava sendo realizado um show de música pop/dance com vários DJs. E fechei com chave de ouro a minha trip.
Prédios públicos a noite |
Algumas dicas e informações úteis
# Outra opção de transporte saindo de São Luís até Barreirinhas é a linha de ônibus da empresa Guanabara, que possui 2 horários (1 pela manhã e outro durante a noite) saindo da Rodoviária de São Luís, que se localiza a cerca 3 Km do Aeroporto.
# Em alguns trechos dessa travessia, no topo das dunas, consegui sinal de telefonia celular da operadora Vivo.
# Baixa Grande, Queimada dos Britos e Betânia possuem alguns locais de hospedagem que também oferecem quartos privativos.
# Canto dos Atins e em todos os outros oásis são vendidos também algumas bebidas como sucos, refrigerante ou cervejas.
# Muita atenção ao fechar algum passeio no pier de Barreirinhas. Paguei R$80, mas alguns outros ofereciam por volta de R$120, mas na verdade são atravessadores que só cobram o valor e repassam para outros barqueiros.
# Não é possível chegar nos oásis de veículos motorizados como quadriciclos ou veículos 4x4, já que o Parque Nacional só permite o uso deles pelos moradores desses lugares.
# Empresas de transfers e passeios que usei:
- São Luís x Barreirinhas:
- Passeio pelo Rio Preguiças e transfer até Porto de Atins:
- Transfer Santo Amaro x São Luís
# Usei mais de um tracklog para me ajudar nessa caminhada:
# O que levar na travessia – vou relacionar somente o que levei na minha mochila de 40 litros (levei uma desse tamanho porque tinha intenção de ficar em São Luís mais de 1 dia)
- Mochila semi-cargueira de 30 litros a 40 litros, no máximo
- Roupas leves: calça de caminhada e se puder, camiseta de manga comprida
- Roupa de banho: bermuda, sunga, etc.
- 1 roupa para dormir
- Boné ou chapéu com abas, tipo legionário
- Óculos de sol
- Protetor solar
- Repelente
- Lanterna de cabeça (headlamp)
- Papete ou sapatilha de neoprene (use com meias) – de jeito nenhum bota ou tenis
- Outra opção para caminhar é usar meia grossa de trekking ou com dedinhos individuais (para evitar bolha)
- Toalha
- Capa de chuva
- Travesseiro de camping (daqueles infláveis)
- Carregador de celular/Power bank
- Necessaire com produtos de higiene pessoal (sabonete, escova/pasta dentes, papel higiênico, lenço umedecido, etc.)
- 2 garrafas pet de 1,5l de água + pastilhas de Clorin (para água das lagoas)
- Kit de primeiros socorros (dorflex, analgésico, antiácido, hipoglós, vaselina, gaze, esparadrapo, nebacetin para futuras bolhas, agulha + linha – em caso de bolhas fure a mesma e deixe a linha dentro para ir secando)
- Lanches de trilha: frutas secas/ barras de cereais/biscoitos/salgadinhos
- Dinheiro: se puder, leve trocado. Atenção que caixas eletrônicos só em Barreirinhas. Santo Amaro só possui agência do Bradesco e Banco do Brasil.
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