17 de novembro de 2021

Relato: Travessia do Circuito Ciririca - Picos do Camapuã, Tucum, Cerro Verde, Ovos de Dinossauro, Luar e Ciririca - Serra de Ibitiraquire/PR

Uns 20 anos atrás fiz uma bela caminhada até o topo do Pico do Paraná, incluindo os Picos do Itapiroca e Caratuva, mas passei por um perrengue e tanto devido às intensas chuvas, nesse relato.
E ao acampar no topo do PP, dava para ver 2 enormes placas retangulares no topo do Pico do Ciririca (muitos dizem que a escrita é com "S", mas preferi manter com a letra "C") à sudoeste, nessa foto. Pareciam aqueles outdoor de rodovia. 
Fiquei imaginando que raios era aquilo, pensando que poderia ser um tipo de antena diferente ou algum equipamento para auxiliar a navegação aérea e prometi 
a mim mesmo que retornaria à região para chegar naquelas placas algum dia.
Os anos foram passando e quando pretendia fazer a caminhada, o clima não ajudava e com isso fui adiando a data. Até voltei lá em 2008 para fazer a Picada do Cristóvão que liga Fazenda PP até Antonina, descendo a Serra do Mar nesse relato
E lá se foram mais alguns anos até conseguir 1 mês de férias em 2021 e com clima ajudando dessa vez, marquei a tão aguardada subida ao Ciririca. Agora era pesquisar o melhor roteiro da caminhada para chegar naquelas placas.
Lendo relatos e analisando tracklogs, vi que a melhor opção era fazer um circuito iniciando pela trilha 
conhecida como Ciririca por Cima, passando pelo topo dos Picos Camapuã, Tucum, Cerro Verde, Luar e retorno pela trilha que cruza a Cachoeira do Professor, conhecida como Ciririca por Baixo.
A logística era relativamente fácil, pois seria da mesma forma quando tinha feito o PP: embarcar em São Paulo com destino à Curitiba e descer na Rodovia, próximo da estrada que leva até a Chácara do Bolinha. Já o retorno seria mais complicado, pois teria de embarcar no ônibus circular que passa na Rodovia e segue para Campina Grande do Sul e de lá para Curitiba para depois seguir para São Paulo.
Como estava de férias, planejei a caminhada para uns 3 ou 4 dias, sem pressa. 


Fotos acima, Sol surgindo atrás do Pico do Paraná e colchão de nuvens na encosta do Ciririca ao fundo 


Vídeo gravado ao longo dessa caminhada: clique aqui
Tracklog de todo o percurso da trilha: clique aqui



Na última semana de Setembro e com mochila cargueira bem cheia embarquei no Terminal Tiete por volta das 09:00 hrs da manhã em direção à Curitiba pela Eucatur.
Com algumas paradas no trajeto, pedi ao motorista para descer uns 4 Km depois do Posto Mahle (antigo Tio Doca), já no Estado do PR.
O lugar é onde se localiza um outro posto de gasolina: o Túlio II, que fica no Km 52, do outro lado da Rodovia, sentido SP. É esse aqui
Desço do ônibus por volta das 16:00 hrs e com mochilas nas costas, cruzo a Rodovia para caminhar uns 200 metros retornando sentido SP até uma estrada de terra à direita, onde uma das placas sinalizam Refúgio Fazenda Bolinha. É lá que tenho de chegar.
Início da estrada que leva até o Bolinha
O Sol brilhava num céu azul maravilhoso com pouquíssimas nuvens e parece que dessa vez o perrengue que tive no PP tá descartado.
Seguindo pela estrada principal e evitando bifurcações, o trecho possui algumas subidas e descidas com vários pequenos sítios. Por algumas aberturas na estrada era possível visualizar o Pico do Camapuã com sua rampa toda desnuda. 
Trecho pela estrada com sítios e ao fundo o Pico do Camapuã à esquerda
Se não trouxe nenhuma garrafinha de água e estiver com sede, não recomendo pegar água dos pequenos riachos que cruzam com a estrada – melhor não arriscar. 
Com quase 1 hora de caminhada e sem passar nenhum carro para oferecer carona, cheguei ao final da estrada pouco antes das 17:00 hrs, finalizando em frente ao portão da Chácara do Bolinha. 
Chácara do Bolinha 
Quem anuncia a minha chegada é um cachorro que não para de latir e logo em seguida vem um senhor de barbas brancas, é o Seu Bento. Depois de uma rápida conversa digo que vou acampar aqui para no dia seguinte fazer a trilha do Ciririca por Cima e retorno por Baixo. Ele pede para eu colocar meus dados num cadastro dos montanhistas, juntamente com telefone e data para retorno. 
Uma placa bem grande indica para fazer o pagamento de $15/pessoa na entrada. Dei uma nota de $20 Reais para Seu Bento que me disse para escolher qualquer lugar do terreno para montar a minha barraca e em seguida ele entrou. Achei que fosse buscar o troco, mas como demorou para retornar, peguei minha mochila e fui procurar um local plano. Pegaria o troco depois. 
Estacionamento
Numa explorada pelo lugar, montei a barraca próxima de uma torneira de água e embaixo de algumas árvores. Carros e motos estacionados, um pequeno riacho ao lado e um banheiro com chuveiro quente ao lado da residência, onde tinha uma placa sinalizando que o valor do banho é de $6 Reais. Pensei comigo: dou mais 1 Real para Seu Bento e tomo um banho relaxante de água quente. Ledo engano. O c
amping não é $15; é um pouquinho maior, mas paguei assim mesmo. 
Depois do banho, faço o jantar de massa com sopão e atum.
São quase 20:00 hrs e com temperatura agradável entro na barraca, me enfio no saco de dormir e apago logo em seguida. 
Acordo por volta das 05h30min da manhã e já vou desmontando a barraca. Uma neblina toma conta do lugar, mas nem me preocupo, já que a previsão é de Sol.
Depois de um breve café da manhã, agora é mochila nas costas e pé na trilha. 
Acesso à trilha
E pouco depois das 06h30min cruzo o portão de ferro que dá acesso à trilha e começo a gravar o percurso no app wikiloc.
A altitude aqui é de 940 metros e tenho que chegar na altitude de 1650 metros, que é o topo do Cerro Verde, mas antes tenho que passar pelo topo do Camapuã e do Tucum.
Um grupo de 2 casais com pequenas mochilas de ataque está a alguns metros na minha frente e com ritmo bem maior que o meu, vão se distanciando. 
Trecho inicial
Nesse inicio da caminhada, a trilha passa por alguns descampados e seguindo por aclive bem suave vou ganhando altitude sem grande esforço. Não demora muito e entro definitivamente na mata fechada para cruzar várias vezes o mesmo riacho que desce na direção da chácara. A trilha é tão aberta e demarcada que mesmo a noite é possível fazê-la tranquilamente, sem dificuldades de navegação.
Árvore oca
Com cerca de 30 minutos passo ao lado de uma gigantesca árvore que está oca no meio e me pareceu serem 2 que cresceram juntas, separando na base. Nesse momento o grupo tá explorando o interior da árvore e eu sigo em frente.
Mais alguns minutos e outra gigantesca árvore. Essa segunda é maior ainda e pelo tamanho, não duvido que tenha algumas centenas de anos.
Conforme vou avançando, as árvores vão dando lugar a vegetação mais baixa e com isso o Sol já começa a dar as caras naquele pequeno vale. Com pouco mais de 1 hora desde a chácara, chego na bifurcação para o Camapuã ou para Ciririca direto. 
Placas dos picos na bifurcação
São várias placas que sinalizam a direção com os tempos de caminhada e os níveis de dificuldades.
O lugar é um verdadeiro lamaçal e até difícil para achar um bom lugar para os clics.
A da esquerda é a trilha que o pessoal chama de Ciririca por Cima e esse é o meu caminho. 
Trecho íngreme
A subida agora é íngreme com muitas raízes e algumas pedras em meio às árvores. Por estar com cargueira cheia, o esforço é grande para ir ganhando altitude.
E com cerca de 30 minutos desde a bifurcação anterior, a trilha emerge em uma área aberta. Essa é a conhecida rampa do Camapuã, cuja vegetação é baixa com arbustos e alguns trechos por lajes de pedra. 
Rampa do Camapuã
A impressão é que você vai ganhando altitude, sempre subindo e nunca chega o cume.
O cansaço vai tomando conta e tive que parar algumas vezes nesse trecho para retomar o folego. Pelo menos o visual com tudo aberto estava compensando o esforço, já que a paisagem é maravilhosa. Lembra um pouco a subida do Pico do Marins, na Mantiqueira.
Do lado direito o Ciririca se destacava, dando para ver até as 2 placas, quase imperceptíveis.
No topo do Camapuã com Tucum e o PP ao fundo
E exatamente as 09h30min chego ao topo do Camapuã, na altitude de 1715 metros. O lugar é plano e bem extenso, tendo vários descampados. O visual daqui é de 360º com destaque para o Pico do Paraná, surgindo ao lado do Tucum, Represa do Capivari, Itapiroca, Caratuva, Ciririca e muitos outros picos da Serra do Ibitiraquire que podem ser vistos daqui. Até o conjunto do Marumbi. 
Um breve descanso para comer um lanche e assino o livro do cume, deixando uma mensagem. Vários grupos aqui no topo e alguns insetos e mosquitos que não me dão sossego, então era hora de partir para o Tucum. 
Por volta das 10h20min vou descendo por trilha na direção leste. Trecho muito tranquilo e no início da subida pela encosta do Tucum, saio da trilha principal à esquerda para pegar água numa pequena gruta. Veio em boa hora, porque a minha já tinha acabado. Não encho todas as garrafinhas porque no vale entre Tucum e o Cerro Verde tem um pequeno riacho por onde a trilha passa.
Topo do Pico do Tucum com a caixa de mensagens
Continuo a subir pela encosta e pouco depois das 11:00 hrs chego no topo, repleto de caratuvas. São vários descampados e apontando no meu GPS a altitude de 1740 metros. Sem dúvida uma das melhores vistas e com o tempo bom ajudando, fiquei ali só admirando aquele visual. Mas ainda tinha um último trecho de descida e outra subida até o Pico Cerro Verde.
A partir daqui a trilha não é das mais fáceis com trechos muito íngremes e cordas para ajudar na descida, por isso vou descendo sem pressa e perdendo altitude rapidamente devido a grande inclinação.
Trecho por cordas
É preciso tomar cuidado onde se apoia nos trechos mais íngremes, já que tem muito espinho na vegetação e fico imaginando alguém subindo com uma cargueira por essa trilha. Não deve ser fácil.
Finalizo a descida numa densa floresta que ocupa o fundo daquele vale e aqui encontro algumas bifurcações. Na dúvida, fui seguindo o track, mas outra forma de se orientar é seguir as fitas coloridas de cor laranja ou amarela que estão amarradas em algumas árvores.
Reabastecimento no riacho
Cruzo com um riacho onde encho as garrafinhas (se for acampar no Cerro Verde este é o último ponto de água) e mais alguns minutos saio do trecho de mata para emergir em área de vegetação baixa as 13:00 hrs. Mais alguns metros e chego numa bifurcação: para direita é a trilha que segue na direção do Ciririca, mas o meu caminho é para esquerda. 
Agora com a mochila um pouco mais pesada devido a água, vou subindo a encosta do Cerro Verde em ritmo lento e parando algumas vezes, já que o cansaço batia forte devido ao Sol. 
Com alguns trechos de vegetação alta, por volta das 14h30min passo ao lado de outra bifurcação à esquerda - essa é a trilha que une as 2 Fazendas: do Bolinha e do PP, passando pelo Pico do Itapiroca. 
Camping no Cerro Verde com PP ao fundo
Mais 10 minutos de caminhada e chego na área de camping do Cerro Verde em meio a um mar de caratuvas. O lugar está deserto e escolho o melhor local para montar a minha barraca. O topo está a uns 50 metros, na direção da borda do paredão, onde em cima de uma pedra está fixada uma caixinha com o livro do cume.
Topo do Cerro Verde e Ciririca ao fundo
O GPS marcou a altitude de 1653 metros e já fui logo abrindo o livro e procurando uma caneta para colocar uma mensagem, mas não consegui, porque não tinha nenhuma (santa ingenuidade Batman, deveria ter trazido uma caneta).
Quando retornei a São Paulo avisei por e-mail o pessoal do CPM sobre a falta de canetas no Cerro Verde, no Luar e a falta de um livro no Ciririca (mensagens em livro de cume são super importantes, porque em caso de algum montanhista desaparecido, podem mostrar lugares que ele passou). No livro, a última mensagem era de 7 dias atrás, comentando sobre a busca de Maicon Willian Batista, que se perdeu na base do PP .  
Ibitirati, União, Pico do Paraná e o Tupipiá
O visual é espetacular com o PP bem de frente e ao lado dele o Ibitirati, o União e o Tupipiá. Outros picos como o Camelo, Caratuva, Itapiroca, Tucum, Camapuã também são vistos facilmente, inclusive uma das placas do Ciririca.
O banho é com lenços umedecidos e assim que anoitece preparo o meu jantar de sopão e calabresa com suco.
Com temperatura agradável, resolvo ficar em cima de algumas pedras só apreciando o céu para quem sabe ver algumas estrelas cadentes, mas só consegui ver alguém descendo a encosta do Tucum com lanterna, mas não chegou até onde eu estava - talvez estivesse fazendo a travessia entre as fazendas, seguindo para o Itapiroca. Deu para ver também um grupo acampado no topo do PP. 
Sem maiores novidades, entro na barraca e me enfio no saco de dormir por volta das 21:00 hrs, colocando o celular para despertar pouco antes das 06:00 hrs para acompanhar o nascer do Sol. 
Amanhecendo
A noite foi muito tranquila, sem ventos e pela manhã só foi sair da barraca e aguardar mais alguns minutos que o astro rei começou a surgir ao lado do conjunto do PP. Um colchão de nuvens cobria todo o litoral, chegando até as encostas do Ciririca. Na região do Marumbi a mesma coisa. 
E novamente o dia estava claro sem uma nuvem sequer, prometendo ser um dia quente. Café da manhã tomado e acampamento desmontado, me despeço do topo pouco antes das 07:00 hrs.
A descida é muito rápida pela trilha e no caminho encontro pegadas que me pareceram ser de alguns felinos. Quem souber de que animais são, só postar nos comentários.
Pegadas de felino?
Chegando na bifurcação quase no fundo do vale, que passei anteriormente, agora sigo para esquerda, na direção do Ciririca. Desse ponto dá para ver nitidamente o rasgo da trilha subindo o morro. É bem demarcada e vou ganhando altitude sem dificuldades. Entro numa área de mata fechada para cruzar um pequeno riacho e quem pretende acampar próximo do Pico do Luar, um pouco acima, este é o último ponto de água.
Passo por outra área de vegetação baixa para em seguida cruzar um pequeno riacho, mas esse com uma quantidade muito pouca de água, por isso não recomendaria contar com ele numa época de seca. 
Mirante com trilha demarcada abaixo
Conforme vou ganhando altitude, a trilha alterna entre mata fechada e vegetação baixa com vários mirantes. 
Passo por um deles de grandes pedras e só foi caminhar alguns poucos metros e encontro uma bifurcação à direita que leva até o Pico Ovos de Dinossauro. 
Ovos de Dinossauro
De longe parecem mesmo ovos, mas eles estão um pouco abaixo do topo. Tiro alguns clics e continuo a subir 
novamente pela trilha para chegar em outro pico mais acima. É o Luar, na altitude de 1630 metros, marcado por algumas rochas e onde tem um livro de mensagens guardado dentro de um cano de pvc. Próximo dele existe um descampado para 1 ou até 2 barracas, mas não é tão confortável.
Outro livro do cume
São 09h20min e dentro do cano encontro o livro todo úmido com 2 canetas sem tinta, além de 
1 miojo, 2 pequenos frascos com repelente e protetor solar e um aviso para usar somente em caso de necessidade.
Descendo pelo outro lado, agora a trilha segue por vegetação baixa até passar ao lado de uma grande área de camping com uma bela vista para o Ciririca, em frente. 
Área de camping com Ciririca ao fundo
Muito cuidado aqui porque a trilha se divide em 2 nesse momento.
A da esquerda segue próxima do paredão e fui seguindo por ela, mas ao entrar na mata fechada, a trilha se fecha um pouco e para não perder tempo procurando fitas nas árvores, resolvi retornar até próximo da área do camping e seguir na trilha da direita, dessa vez me orientando pelo tracklog.  
É um trecho curto descendo pelo campo até entrar na mata e chegar a um riacho. Devidamente hidratado já que a minha água tinha acabado, vou seguindo o fluxo do rio.
Floresta encantada
Passando por árvores finas e retorcidas, o lugar mais parece com um cenário de um filme de fadas e duendes. Me lembrou o Bosque dos Duendes que tá na Trilha do Jorge, entre Monte Verde e São Francisco Xavier, na Mantiqueira. 
Ao chegar num local onde 2 pequenos riachos se encontram, a vegetação muda e a partir daqui vou subindo uma encosta entre grandes pedras até o topo, onde já consigo visualizar a trilha em campo aberto lá embaixo.
E aqui novamente ela se divide em 2 e vou pela direita.
Descendo
Agora a direção segue para um fundo de vale, que é o leito de um rio com muitas pedras, cipós, raízes e espinhos. Seria bom usar um par de luvas nesse trecho e por não estar usando, 2 espinhos entraram na pele dos meus dedos e como não tinha uma pinça, tive que cortar a pele com um canivete para removê-los, mas nada grave.
É um trecho curto até chegar a uma grande clareira em meio à mata fechada, onde a trilha de Cima se encontra com a trilha de Baixo.
Última Chance
São 11h50min e o local é conhecido como “Última Chance”, pois o nome remete à dificuldade de subir o Ciririca a partir dali, então esta é a última chance para desistir. 
Aproveitei para um breve descanso, me hidratar e degustar um lanche. Não enchi meus cantis porque um pouco mais à frente vou cruzar um pequeno riacho. 
Revigorado, agora sigo por aclive suave entre a mata fechada até sair em área aberta, nos campos de altitude. Mais um pequeno vale, onde encontro outra trilha que vem do Cerro Verde à esquerda. 
Último riacho
E chego ao último ponto de água antes de alcançar o topo do Ciririca. 
É bom encher os cantis aqui (talvez em épocas de estiagem longa pode não ter água). 
O riacho é pequeno e depois de encher minhas garrafinhas (uns 3 litros), volto a subir em meio à mata fechada. A inclinação desse trecho vai aumentando aos poucos e o cansaço também, já que as garrafas de água aumentaram o peso da mochila.
Parando às vezes para retomar o folego, vou ganhando altitude sem pressa até chegar no início da rampa do Ciririca.
Subindo
Li vários comentários sobre a dificuldade nesse trecho, mas sinceramente não achei tão complicado. Quem diz isso é porque não conhece a Mantiqueira ou a Serra do Mar de SP.
São 13h40min e com a ajuda de cordas nos trechos de paredão de pedra mais íngreme (acho que foram uns 2 ou 3), vou subindo com pouco de esforço, mas tomando o devido cuidado, dá para seguir em frente.
Ajuda das cordas
Depois das cordas, a trilha segue em meio a muita caratuva e taquarinha por trechos íngremes, onde vou ganhando altitude aos poucos e p
ara piorar, tem o Sol que castiga muito.
Algumas pedras com belos mirantes surgem ao lado da trilha e quando entro num pequeno trecho de mata fechada, resolvo descansar para retomar o folego. 
Quase tiro um cochilo, mas era preciso seguir em frente para o último trecho em meio aos bambuzinhos. Eram os metros finais e parecia que não chegaria nunca no topo.
Marco geodésico
E pouco antes das 16:00 hrs chego nele, onde um marco geodésico assinala o ponto mais alto do Ciririca. O GPS apontou a altitude de 1708 metros. Um belo visual do PP com seus picos ao lado e o que chama a atenção é uma linda cachoeira no vale do Rio Cacatu, que está na encosta oeste do PP. Foi ali naquele vale que dias atrás (início de setembro/21) Maicon Willian Batista se perdeu e só foi resgatado pelos Bombeiros 6 dias depois.
Topo
O topo até possui um descampado, mas é pequeno e muito desconfortável para montar alguma barraca, já que o piso é irregular. Sem perder tempo, continuo pela trilha até as placas, passando ao lado da primeira até chegar na segunda e junto dela encontro vários descampados em meio à vegetação que são perfeitos para montar a minha barraca.
Segunda placa
São 16h10min e depois de pouco mais de 9 horas de caminhada chego ao meu objetivo: as placas do Ciririca. Nenhuma vivalma em todo o trecho desde o Cerro Verde. Até achei que teria alguém acampado aqui em cima, mas só eu naquele dia.
Dá para visualizar toda a baia de Antonina e o PP com sua encosta do lado sul. Caratuva, Itapiroca, Cerro Verde, Luar, Camapuã, Tucum e muitos outros picos ao redor que nem sei o nome.
Agudo da Cotia logo ali
Pelo lado sul o Agudo da Cotia se destaca, sendo um pouco mais baixo que o Ciririca e com trilha que se inicia ao lado da segunda placa. E se tiver folego e tempo de sobra, dá para estender mais ainda essa caminhada, finalizando na Estrada da Graciosa, num local conhecido como Marco 22. Quem sabe algum dia.
As placas não servem para nada e parece que ninguém se preocupa em retirá-las. Alguns tambores velhos e enferrujados estão abandonados no meio da vegetação sem preocupação nenhuma com meio ambiente. 
Local da minha barraca
O céu é de brigadeiro e depois de montar a barraca num dos descampados, fiquei acompanhando o por do Sol.
Pena que não tem um livro de mensagens no cume. Fotos de relatos antigos mostravam que embaixo da segunda placa tinha um cano de pvc com o livro, mas nesse dia não encontrei nenhum.
Novamente banho de lenço umedecido, usando também parte da minha água, já que tinha bastante.
2 placas
Assim que anoiteceu, fiz o jantar com massa e calabresa, usando tudo o que restava, sobrando apenas 1 porção de sopão e 1 miojo – vai que surge alguma emergência. 
Até tentei ver algumas estrelas cadentes, mas o tempo estava nublado e não dava para ver uma única estrela. 
Saciado e com um pouco de cansaço, me enfio no saco de dormir e espero o sono chegar, mas não demora muito e começo a ouvir um barulho de algo mexendo nas panelas do lado de fora. Com certeza algum ratinho procurando restos de comida. Acho que ele não teve sorte, porque não deixei nada.
O barulho das panelas cessa e peguei no sono rapidamente, porém no meio da noite acordo com a chuva caindo sobre a barraca, mas só foram por alguns minutos. 
Amanhecendo
Volto a dormir novamente e pouco antes das 06:00 hrs levanto para apreciar o nascer do Sol. Um colchão de nuvens sobre o litoral e alguns vales próximos, mas é maravilhoso ver os primeiros raios do Sol surgindo no horizonte. Sem palavras.
Um belo café da manhã e barraca desmontada, agora é retornar para o Bolinha. 
Depois de alguns clics no topo do Ciririca, inicio o trecho de descida as 07h20min.
Passo pelas cordas sem dificuldades e chego no “Última Chance” por volta das 08h30min. Parada para um breve descanso e retomo a caminhada, agora seguindo pela trilha de Baixo.
Ciririca por Baixo
Daqui em diante, vou alternando entre subidas e descidas de vales com muitas raízes, troncos, pedras, cipós em meio à mata fechada. Algumas árvores caídas dificultam a caminhada, mas a navegação é tranquila por ser uma trilha bem demarcada; só é preciso tomar muito cuidado para não cair nas encostas laterais.
De vez em quando eu checava o tracklog apenas para saber se ainda faltava muito para chegar nas placas onde a trilha se divide para o Camapuã.
Cachoeira do Professor
Sem muita pressa, passo pela Cachoeira do Professor pouco antes das 10:00 hrs, cujo nome é em homenagem ao professor Erwin Gröger, orquidófilo austríaco que adotou o Paraná como residência. 
Agua é o que não falta nessa trilha e quando chego num local chamado de Poço das Fadas, resolvo tomar um banho, mas quase me arrependo; parecia água de geladeira, mas deu um animo e gás para seguir em frente.
Piscina natural
Alguns minutos à frente se inicia um trecho muito desgastante. É uma longa subida que parecia não ter fim. Fui chegar numa grande área de camping no topo de um morro bem cansado por volta das 11h30min. Agora longa parada para descanso e hora de comer algumas frutas secas (como a tâmara é deliciosa não é?).
Grande área de camping
A partir daqui vou descendo com um pequeno riacho ao lado e cruzando ele algumas vezes até chegar no encontro de 2 rios. Aqui tem uma cachoeira, mas achei um pouco perigosa, devido às pedras serem escorregadias.
Mais outra leve subida passando por uma área de brejo até chegar nas placas dos picos pouco depois das 13:00 hrs, onde a trilha de Baixo se encontra com a de Cima.
Bifurcação para o Camapuã
Agora é o trecho final de descida, na direção do Bolinha onde chego por volta das 14:00 hrs com Sol a pino. 
Encontro um sobrinho do Seu Bento cuidando dos animais e depois de uma breve conversa sigo em direção à Rodovia, chegando lá por volta das 15h30min.
Pela Rodovia, sigo para esquerda por alguns minutos até a Ponte sobre o Rio Bonito onde tem um ponto de ônibus, sentido Curitiba. Fico aguardando até as 18:00 hrs, quando passa o circular até Campina Grande do Sul, onde embarco em outro para Curitiba e de lá retorno para SP.



Dicas e informações úteis

# Já li relatos de que no Posto Mahle (nesse local) é possível conseguir transporte até a Fazenda do PP e quem sabe até a Chácara do Bolinha.

# O ônibus circular que sai do Bairro da Represa do Capivari até a cidade de Campina Grande do Sul opera com poucos horários. Se eu perdesse o das 18:00 hrs teria problemas, porque era o último do dia.

# O ônibus para Curitiba sai do Terminal de Campina Grande Do Sul e segue para o Terminal Guadalupe, que fica próximo da Rodoviária de Curitiba.

# De acordo com Seu Bento, apenas telefones da TIM conseguem sinal de telefonia celular na região e mesmo assim apenas em lugares altos.

# Taxas cobradas na Chácara do Bolinha (Setembro/2021):
- Entrada: $15 Reais
- Entrada + Camping: $20 Reais
- Chuveiro quente: $6 Reais

# Percebi que não existe horário de entrada ou saída da Chácara para quem pretende acessar os picos, mesmo chegando durante a noite ou madrugada. 
Telefone da Chácara: (41) 99664-0435 (não confirmado).

# Se quiser acampar no topo dos picos, atente para locais onde encontrar água. 
- Trecho entre a Chácara e a bifurcação das trilhas se cruza várias vezes com riachos.
- No início da subida do Tucum saindo à esquerda da trilha principal tem uma pequena fonte de água.
- No vale entre o Tucum e o Cerro Verde, a trilha cruza um riacho.
- Entre Cerro Verde e Ciririca, uns 2 ou 3 riachos cruzam a trilha.
- Na base do Ciririca existem 2 pontos de água: a clareira “última chance” e um pequeno riacho poucos minutos antes de chegar na rampa.
- Na trilha Ciririca de Baixo são inúmeros rios que a trilha cruza.

# De acordo com antigos montanhistas, as primeiras pessoas que chegaram no topo do Pico Ciririca foram os paranaenses Osíres, Orisel e Nobor Imaguire no ano de 1949 e a palavra originalmente era escrita com “S”, porém com os anos a escrita foi mudando e hoje em dia ele é mais conhecido com a letra "C" e prefiro manter a escrita dessa forma.

# As placas no topo do Ciririca pertencem a COPEL e foram usadas na década de 60 para refletir sinais de rádio entre a Usina Hidrelétrica Parigot de Souza e a sede da empresa, que fica em Curitiba – atualmente não tem utilidade nenhuma.

# Notícias sobre o desaparecimento por 6 dias e resgate de um montanhista na região do PP alguns dias antes de eu fazer essa travessia: clique aqui e aqui.

9 comentários:

  1. Região belíssima, que bom ler o seu relato, com a precisão e completude de sempre. É uma pena q esse hábito de relatar parece ter ficado restrito a nós de meio dia pra tarde hahaha ... Um abraço Augusto

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  2. Fala Chico.
    Blz.
    Estava enferrujado viu.
    A um bom tempo não fazia uma caminhada tão longa como essa.
    Então a gente vai perdendo aquela vontade de escrever.
    Mas foi muito bom voltar a atualizar o blog com esses relatos.
    E até porque na pandemia muitos lugares fecharam ou restringiram acesso.
    Estava complicado fazer qualquer travessia. Só de 1 dia..
    Essa região do PP é maravilhosa. Muitas opções.

    Mas aos poucos a gente vai retornando para as trilhas, mesmo que seja com intervalos maiores.
    Quem sabe em outubro vou caminhar aí para as bandas do Espinhaço.
    Seus relatos e tracks serão minha referencia.

    Gde abc Chico

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  3. Fala Augusto!
    Eu não sou nem de longe especialista em rastros de animais, mas venho me interessando em aprender a identificar as marcas que encontro. Segundo o Guia de rastros de mamíferos neotropicais de médio e grande porte da Paula Ribeiro Prist, no qual me baseei, todo felino apresenta a impressão de 4 dedos na pegada. De acordo com minha interpretação da sua foto, existem ali 5 dedos relativamente alongados, que podem pertencer ao mão-pelada (Procyon cancrivorus), também conhecido como guaxinim.
    Abs
    Ricci

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    1. E aí Marcelo, blz.
      Na foto que tirei, a pegada aparece mesmo com 5 dedos.
      Imaginava que fosse um pequeno felino, mas vc tá certo.
      As pegadas são de um guaxinim.
      Valeu mesmo pela informação.

      Gde abc

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Queria dar meu pitaco sobre o nome do Pico Ciririca. A origem dessa palavra remonta ao tupi, registrada pelo professor Eduardo Navarro como syryryk. É um verbo, significando "arrastar-se" ou "esfregar-se". Desse significado podemos aventar muitas possibilidades, desde as mais lúdicas, como uma relação com o esforço em se alcançar o cume, onde o pobre-diabo chegaria se arrastando. Mas, considerando a lógica habitual da atribuição toponímica da Língua Tupi, costumeiramente associada à morfologia local, acho mais acertado sugerir que o nome guarde relação com a planta tiririca (Cyperus rotundus), nome como acabou ficando conhecida a erva daninha, também medicinal e panc, que não duvido haver em abundância naquele morro.
    Bonus: em tupi, adicionando-se o sufixo "a" a um verbo obtém-se um substantivo dele derivado. Syryryk é "esfregar-se"; daí que syryryka é "esfregadela". Sim, o estímulo sexual feminino tem origem nessa palavra nativa.

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    1. Eu vi inúmeras placas lá na região citando o Ciririca com a letra "S".
      Fiquei na dúvida se colocava aqui no relato desse jeito também, mas numa pesquisa rapida do google, a maioria dos sites citam com a letra "C", mesmo não sendo o correto.
      Então preferi manter assim.
      E sobre o professor Navarro, ele é super conhecido e é da mesma faculdade que me formei e da mesma época: FFLCH da USP. E também é geografo.
      Valeu pelas informações.

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    2. Conheço bem o Navarro, estudei Tupi com ele lá na FFLCH entre 2012 e 2014 mais ou menos. Ele mora em Paranapiacaba, sabia?

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  6. Nessa época já tinha saido de lá a uns 10 anos.
    Não sabia que morava na Serra do Mar.
    Lugar maravilhoso.
    Acho que encontrou o lugar perfeito para pesquisar e escrever seus livros.

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