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12 de dezembro de 2019

Relato: Perrengue na Trilha do Telégrafo – Paraty x Ubatuba pela Serra do Mar


Era a 5ª vez que caminhava nessa região e alguns trechos dessa trilha já eram bem familiares. Nas outras 4x eu estava em busca da Trilha do Corisco (trilha histórica que liga Paraty até Picinguaba, em Ubatuba) e numa dessas incursões encontrei trechos da Trilha do Telégrafo, que liga Paraty até o Bairro de Ubatumirim. E isso ficou na minha cabeça como uma trilha a ser finalizada, mas o tempo foi passando e deixei de lado. Até que pouco mais de 1 ano atrás, troquei várias mensagens com a Emanuele (montanhista do RJ), dizendo que pretendia fazer essa trilha e só não a acompanhei devido ao meu trabalho. Com a ajuda de um morador local, o grupo teve sucesso na empreitada e com isso ela disponibilizou o arquivo GPS dessa trilha no site wikiloc. Agora estava fácil e só me faltava encontrar alguma data com clima favorável e alguns dias de folga no trabalho para fazer essa trilha, mas na Natureza as coisas não são tão fáceis assim. Não é à toa que a última cidade do litoral norte de SP recebe o apelido de Ubachuva. 
O relato abaixo é sobre os problemas que tive nessa trilha e as consequências da minha teimosia que quase me levou para um hospital.


Foto acima, no marco de concreto da divisa RJ/SP

Fotos dessa caminhada: clique aqui
Vídeo gravado ao longo dessa caminhada: clique aqui

Naquele mês de Novembro de 2019 peguei 15 dias de férias e fiquei com minha namorada por quase 1 semana curtindo algumas praias no sul da Bahia e quando retornei, ainda restavam 5 dias. Tinha que fazer alguma coisa. O problema de planejar uma caminhada é sempre o clima, já que fazer trilha com chuvas pode se tornar um perrengue daqueles e uma perda de tempo. Na minha lista tinham várias opções para os últimos dias das férias e todas relativamente próximas de São Paulo, mas a previsão de chuvas me fez desistir de algumas delas. E depois de consultar vários sites de previsão do tempo, escolhi a Trilha do Telégrafo, ligando Paraty até Ubatuba pela Serra do Mar. A logística é tranquila e achei melhor ir de ônibus.
No meio da semana, embarquei durante à noite no Terminal Tietê em direção à Paraty, chegando ainda de madrugada na cidade e na mesma Rodoviária peguei o primeiro circular para o Bairro do Coriscão, por volta das 05h30min da manhã.

Ponto final da linha Coriscão
O trajeto foi rápido e pouco depois das 06:00hrs já desembarcava no ponto final da linha. 
Nos dias anteriores estava chovendo naquela região e nos sites de clima que eu tinha pesquisado, diziam que exatamente naquele dia a chuva iria cessar. Eu confiei, mas quando desci do ônibus caia uma leve garoa e uma neblina cobria a região, o que não era um bom sinal. 
Mesmo assim segui conforme o planejado, colocando a capa de chuva e iniciei a caminhada em direção ao alto da serra seguindo pela estrada, que de agora em diante era de terra.

Estrada de terra serra acima
Passando por algumas residências e pequenas chácaras, a caminhada é sempre seguindo a estrada de terra serra acima, tendo o Rio Corisco do lado direito como referencia. Em alguns trechos é possível vê-lo da estrada e não é uma visão que me agrada. O rio estava com volume muito grande, devido às chuvas na região.
Rio Corisco visto da estrada
Seguindo o tracklog da Emanuele não tem erro, mas conforme as horas avançavam o clima não muda e a garoa era persistente. Afluentes do Corisco cruzam a estrada e fica até difícil não molhar as botas.
Cruzando afluentes do Rio Corisco
Com cerca de 45 minutos de caminhada, passo ao lado da entrada do Sitio São Francisco (atual Reserva Chão de Estrelas) com 2 portais de concreto e nesse local, nas caminhadas anteriores, eu saí da estrada e segui por uma trilha bem demarcada à esquerda que leva também ao alto da serra - nessa foto e nessa outra dá para ver o início da trilha.
Entrada do Sitio São Francisco (atual Reserva Chão de Estrelas)
Porém o tracklog da Emanuele continua seguindo pela estrada de terra e assim continuo a caminhada. Mais alguns minutos e passo pela ponte sobre o Rio Corisco e dá para ver que ele tá bem cheio.
Rio Corisco
Alguns minutos à frente e pouco depois das 07:00hrs, passo ao lado da última casa na estrada tomada pela neblina. É a Vista Alegre (residência disponível no AirBnb) e logo à frente existe uma bifurcação; seguindo em frente é a continuação do tracklog.
Última casa 
Alguns metros depois da última casa, a estrada se torna trilha e a partir daqui estou entrando na área do Parque Nacional da Serra da Bocaina, marcado por uma placa de metal junto da trilha.
Área do Parque Nacional da Serra da Bocaina
É um trecho da caminhada que entro definitivamente na mata fechada. Logo após a placa, surge outra bifurcação: para esquerda leva a uma área de pasto e continua subindo; já seguindo em frente é o caminho do tracklog, mas tomando qualquer das bifurcações as 2 trilhas irão se encontrar uns 20 minutos acima. Cruzando pequenos riachos e muita área de brejo, logo chego numa antiga residência, que está totalmente demolida. Uma pena.
Residência demolida
O lugar é plano e não ficou uma parede sequer em pé. Fico imaginando que poderia ter sido o pessoal do Parque Nacional, mas será?
São pouco mais de 08h30min e depois de uma breve descansada, retomo a caminhada seguindo o tracklog. A trilha se fecha mais ainda e inúmeras bananeiras vão surgindo ao longo da subida. Nesses trechos tive uns perdidos, onde não encontrava a continuação dela de jeito nenhum, devido a vegetação cobrindo a trilha.

Trilha pela mata fechada
Para piorar, os satélites demoravam um pouco para mostrar exatamente a posição onde eu estava, naquela mata fechada. Nesse momento já estava ensopado dos pés à cabeça e não tinha nada seco no corpo.
Trilha
Depois de algumas paradas e já bem estressado finalizo esse trecho complicado da caminhada interceptando uma outra trilha bem mais demarcada, que vem da direita e segue descendo para esquerda. Essa é a trilha que se inicia lá em frente ao portal do Sitio São Francisco (atual Reserva Chão de Estrelas) e termina em uma pequena chácara serra acima.
Lago junto de bananeiras
Próximo dessa bifurcação encontro um pequeno lago com algumas bananeiras, sendo um ponto de referencia. Descendo agora à esquerda pela trilha mais demarcada, como se estivesse retornando, saio em uma bifurcação à direita alguns metros abaixo, onde o tracklog me conduz até a margem do Rio Corisco.
Cruzando Rio Corisco
O volume dágua é grande e procuro o melhor local para cruzar o rio, onde a correnteza não me levasse. Com água até um pouco abaixo da cintura, cruzo o rio sem grandes dificuldades e na outra margem passo ao lado de um rancho abandonado.
Cruzando o rio
Se até aquele momento a trilha não era tão demarcada, a partir daqui a coisa piora e os vestígios dela são mínimos. De vez em quando surgem alguns trechos abertos, mas a maior parte é de vegetação alta, tendo de abrir a trilha na raça em vários momentos. Só com tracklog nesse trecho e vou consultando ele a todo momento para ver se estava no caminho certo. Caminhar por aqui sem um GPS é se perder na certa. Surgem grandes plantações de bananas e vou cruzando inúmeros riachos, sempre subindo. Em vários momentos tomei uns tombos pela declividade da trilha e pelo solo todo encharcado (no vídeo eu mostro um deles). A garoa persistia e a neblina também cobria toda aquela região de mata fechada. Pouco depois das 10:00hrs a trilha nivela e vou contornando um pequeno morro pela esquerda. Esse trecho no plano até se parece com vestígios de uma antiga estrada, devido a uma encosta que me pareceu ter sido construída pelo homem. Nesse momento percebo que algo está errado com meu celular. Em todo o trecho da caminhada vou me orientando pelo tracklog da Emanuele e não desliguei ele um momento sequer, mas lembro muito bem que ao cruzar o Rio Corisco a bateria estava em torno de 65%. Quando fui olhar agora a bateria tinha reduzido para apenas 9%. Sem perder tempo peguei meu power bank e tento transferir a energia dele para o celular, mas não consigo.
O cabo ou o encaixe no telefone está com problemas; na verdade um problemão. O tracklog me informa que o marco de concreto da divisa de Estados está próximo e ainda consigo chegar nele com bateria a 4%, mas só foi andar mais alguns metros e o celular desliga. Fud....

Divisa RJ/SP
Como diria Carlos Drummond de Andrade: E agora, José? Tiro algumas fotos do marco de concreto e resolvo continuar a caminhada por trilha demarcada, que daqui em diante segue em declive. Até aquele ponto da caminhada tive que me orientar pelo track e daqui em diante teria que ter muito faro de trilha para chegar em Ubatumirim. Porém sem o tracklog, que certeza eu teria se estava na trilha correta ou não? Pelo menos até aquele ponto da caminhada o celular gravou a trilha que eu tinha feito. Veja na foto abaixo o percurso que fiz com trechos onde tive que retornar. 
Trilha percorrida até o marco da Divisa
Depois de pensar bem o que fazer, resolvi seguir aquele trecho de declive, pensando que mais a frente a trilha se tornaria mais demarcada, mas não foi o que aconteceu. Ao chegar em um antigo acampamento (pareceu ser de caçador ou palmiteiro), a trilha cruza um pequeno riacho e se perde na mata fechada.

Antigo acampamento abandonado
Tento fazer um circulo para ver se encontro a trilha um pouco mais à frente, mas cada vez que vou avançando na mata, ela se fecha mais ainda e não encontro a trilha. Impossível seguir. Era arriscado demais.
Retorno até o antigo acampamento para descansar um pouco e refletir sobre o que faria dali em diante. Chego a conclusão que não vale o risco, pois sem tracklog ali, o perigo de perder é grande e tudo por causa de um mero cabo de carregador de celular. 
Volto até o marco de concreto para gravar um vídeo sobre o que aconteceu e pouco depois do meio dia retorno pela mesma trilha que eu vim. 
Sem ajuda do track e com poucos trechos de trilha demarcada, é preciso tomar muito cuidado para não me perder, mas vou lembrando de alguns trechos e não tive grandes problemas até chegar na margem do Rio Corisco pouco antes das 14:00hrs.

Chegando na margem do Rio Corisco
Só o local que não era o mesmo onde tinha cruzado e provavelmente me desviei da trilha principal por alguma outra paralela, tendo que cruzar o Rio um pouco mais acima.
Casebre junto da margem
O local era junto de um casebre com paredes de lona branca e era até um pouco mais perigoso, pois a correnteza era maior.
Cruzando o Rio novamente
Cruzado o Rio, fui varando mato por alguns minutos até interceptar a trilha mais demarcada e dali em diante era só descida até cruzar novamente o Rio Corisco para sua margem direita. Essa é a trilha que se inicia lá no portal de concreto do Sitio São Francisco (atual Reserva Chão de Estrelas) e sem dúvida nenhuma era muito mais demarcada que a trilha que eu tinha vindo.
Saindo da mata e de volta à civilização
Finalizo na estrada pouco depois das 15:00hrs e sem muita demora chego no ponto de ônibus para aguardar o circular de volta até Paraty.
Troco todas as roupas por outras secas e fico aguardando o ônibus, mas uma moradora da região passa de carro e me oferece carona até o centro de Paraty. Conversando com ela, diz que se chama Adriana Mattoso e é a proprietária da última casa da estrada: a Vista Alegre. Diz que está disponível no AirBnB para locação. 
Quando chego em Paraty por volta das 16:00 hrs, já fui atrás de alguma loja de eletrônicos para ver se conseguia comprar um novo cabo de carregador de bateria - se o problema do celular fosse esse não pensaria 2x e no dia seguinte já estaria de volta na trilha. A funcionária testou vários no meu celular e nenhum deles funcionou, o que me levou a concluir que o problema não era o cabo - o jeito era voltar para SP mesmo. 
Fui para a Rodoviária e lá embarquei para Ubatuba e de lá no final da tarde retornei para SP, chegando aqui pouco depois das 23:00hrs, muito frustrado e p. comigo mesmo.
E como desgraça pouca é bobagem, eis que assim que retorno a SP começo a ter uma leve febre e do lado esquerdo do meu peito começa a ficar um pouco inchado e uma coceira muito forte surge ali. Achando que seria uma simples infecção ou talvez uma reação alérgica, só tomo um remédio e nem vou procurar algum médico. Graças a Deus alguns dias depois, a infecção e a febre regridem sem maiores consequências. Não sou especialista, mas converso com quem já teve problemas semelhantes e chego a conclusão que os sintomas que eu tive foram provocados por reação alérgica a alguma picada de inseto ou aranha.
Caminhada que ficou como lição; foram várias situações que eu poderia ter evitado se tomasse um pouco mais de cuidado.


Algumas dicas e informações úteis

# Seguem os 4 relatos de caminhadas nessa região da Serra do Mar:
# Essa Trilha do Telégrafo é uma trilha histórica e seus registros são anteriores a construção da Rio-Santos. Em alguns trechos dela é possível observar antigos postes de telégrafo e atualmente só guias experientes e alguns moradores locais ainda percorrem esse trecho da Serra do Mar.

# São vários trechos onde a vegetação alta e a mata atlântica fecham totalmente a trilha.  

Tracklog da Emanuele, disponível no wikiloc: clique aqui

# Apesar do tracklog, essa é uma caminhada casca grossa e sem visual nenhum, já que a maior parte do tempo a caminhada é feita em mata fechada. 

 # Linda residência da Adriana Mattoso localizada no final da Estrada do Coriscão que tá disponível no AirBnb: clique aqui.

# Os horários do circular que faz a linha Rodoviária de Paraty-Bairro do Coriscão:
# No trecho inicial eu recomendaria seguir por um caminho diferente do tracklog, para evitar trechos com vegetação alta e trilha fechada em alguns pontos, fazendo da seguinte forma: 
- vindo na caminhada desde o ponto final do ônibus até a entrada do Sitio São Francisco (atual Reserva Chão de Estrelas) são pouco menos de 1 hora de subida e assim que chegar na entrada do Sítio à direita, pegue uma bifurcação com trilha demarcada para esquerda e dali é só subida serra acima (foi por essa trilha que eu retornei).

2 comentários:

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    1. Thank you Tom.
      But please, no products advertising and sales ok.

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